Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

1997Crônicas

A altura da humildade

Quando o doutor Fortunato Badan Palhares terminou seus estudos periciais concluindo pelo duplo homicídio em que se extinguiram Paulo César Farias e Suzana Marcolino, incrédulo com o desfecho, lembrei a ele, em uma crônica, que “um ateneuense não pode falhar”. Esse era o lema dos alunos do Colégio Ateneu Paulista. Continuo, porém, certo de que desta vez esse ateneuense falhou: Suzana não matou PC, PC não matou Suzana e alguém, a mando de alguém, matou os dois.

Não sou ninguém para duvidar dos conhecimentos e da competência do doutor Badan e, cá entre nós, quanto mais aproveitadores e oportunistas de plantão aparecem para questioná-lo, mais eu admiro a figura desse médico legista da nossa Unicamp. Também não sei nada de medicina legal, mas conheço a fundo a ciumeira que infesta os meios científicos. Em algumas áreas, ai daquele que se destaca por alguma descoberta importante. Vira alvo da inveja dos pobres de espírito.

Deixe eu contar uma historinha: há mais de um quarto de século, o Roberto Godoy e eu acompanhávamos uma pesquisa de um cientista que perseguia um medicamento, uma vacina que fosse, para acabar com o mal de Chagas, aquele, transmitido pelo barbeiro (o inseto, não o que corta o cabelo da gente). O cientista confiava tanto em sua pesquisa, que um belo dia decidiu inocular em seu próprio corpo o Tripanosoma cruzi, para provar que a vacina que havia produzido era eficiente. Um gesto heróico e abnegado de um pesquisador interessado em livrar a humanidade de uma moléstia terrível. Claro que ele não estava se arriscando para aparecer; afinal, se a experiência fracassasse, ele iria, mesmo, era desaparecer.

Uma decisão extrema dessas, de colocar a própria vida em jogo para chegar a um remédio, é notícia, lógico. Aquele professor se propôs a nos relatar a sua experiência e, naturalmente, tornou-se foco da admiração e da simpatia dos que torciam por ele. Os que perseguiam o mesmo objetivo, por outros meios, moeram-se de inveja, ao ver, o trabalho do “colega” na imprensa.

Tempos depois, esse médico ligou para o Godoy com uma revelação bombástica: “A doença de Chagas também pode ser congênita!” Isso mudava toda a pesquisa que se fazia no mundo para combater o mal. Também foi noticiada essa descoberta. Constrangido, o professor voltou a ligar, dias depois: “A doença de Chagas não é congênita. Fui sabotado. Entraram em meu laboratório, misturaram os tubos de ensaio, destruíram todo o meu trabalho!” Mais do que esse professor, perdeu a humanidade.

Há milhares de fatos como esse, mostrando como há pessoas pequenas até no território (que deveria ser) sagrado da pesquisa científica. Por trás de tanta leviandade cometida contra o doutor Badan, machuca a alma sentir que pode haver muito dessa baixeza.

Semana passada, ele reagiu, com um artigo em que pergunta a alguns jornalistas “Qual era mesmo a altura de Suzana”? Jornalistas, provavelmente seduzidos pela onda de ciumeira, deixaram de lado a busca da informação correta e questionaram do doutor Badan com base em dados errados. Deixaram que a prepotência vencesse e se esqueceram de que a humildade é a primeira qualidade de um repórter.

“Bom repórter não é o que sabe tudo, mas o que sabe perguntar”, já dizia minha avó.

 

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