Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

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Computador da saudade

Tomara que a geração que não precisa de máquina de escrever não passe pelo tormento de uma descoberta: eu escrevia muito melhor na Olivetti do que neste Infoway. Mas — coisa louca este mundo! — conservo a máquina num pedestal, porque com ela, não dá mais tempo!

Imagine: no curso de História, o professor José Cardoso deu como trabalho de pesquisa para o primeiro semestre do primeiro ano, Os Hunos. Quatro meses. Foi um martírio a guerra contra o calendário. Na Biblioteca do prédio central (ainda não existia do campus), na Biblioteca Municipal, na USP, na Unicamp, em consulados europeus… O que levou 120 dias, incluindo sábados, domingos e feriados, hoje, não tomaria mais do que o pedaço de uma tarde. E ficaria menos superficial. (Por exemplo, não deu para confirmar a história que hoje está na rede mundial: Átila, o rei dos Hunos, morreu porque transou de barriga cheia com Úrsula, que violentada pelo ‘Flagelo de Deus’, virou santa.)

Houve aluno que entregou a pesquisa ainda em folhas de papel almaço, escrita à mão.

Naquele tempo, computador era chamado de “cérebro eletrônico”, coisa de russo, americano, 007, Flash Gordon, National Kid… Por falar em japonês, havia um no Instituto de Física da Unicamp que passava o tempo a jogar xadrez com o computador. E foi nesse Instituto de Física que se construiu o primeiro computador brasileiro – um furo de reportagem. O jornalista campineiro Roberto Godoy inscreveu a cidade como a primeira do interior do País a ganhar o Prêmio Esso, com a reportagem sobre essa façanha cibernética, publicada no “Correio Popular” e no “Estadão”

Aqui nesta nossa Puccamp, ainda Universidade Católica de Campinas, regida pelo grande Benedito José Barreto Fonseca e por dom Roberto Pinarello de Almeida, o professor José, João ou Antônio Carlos de Lirani informatizava toda a universidade. Para nós, simples alunos, ele era um gênio. (Aquele é o homem que mexe com computador!!!)

Pouco antes, um acontecimento hilário (para usar a palavra da moda), na secretaria da reitoria. A maravilhosa figura Leopold Adolph Hubinger, secretário do magnífico reitor, entendeu de forma muito simples o pedido do doutor Barreto e não vacilou. Ligou para a IBM. Quando a telefonista atendeu, ele disse:

— Aqui é da Universidade Católica. O doutor Barreto ganhou uma graninha da Alemanha é quer comprar um computador. Dá para vocês mandarem um pra cá?

— …

— Como, ‘brincadeira’, caramba!? O que ocêis tão pensando?

Meninos, eu vi. Estava ao lado do Léo e achei o cúmulo a falta de respeito do pessoal da IBM – até então, pensei que aquele mostrengo só fizesse cartão da Loteria Esportiva, em Sumaré.

“Computador! Pois, sim! Isso é tudo besteira. Na Copa da Suécia, vieram com uma história tenebrosa de que o cérebro eletrônico russo, depois de muitos cálculos matemáticos, garantia a União Soviética campeã do mundo. Só que os nossos cérebros não eram eletrônicos: se chamavam Garrincha e Pelé. Dava para encarar?”

Foi diante de tanto descrédito – e ignorância – que adiei o que pude essa engenhoca. Minha parte na reportagem sobre a morte do prefeito Grama foi escrita à máquina, a última, velha e capenga que sobrara na redação do “Correio Popular.” Quando isso apareceu na redação do Estadão, saí do jornal, fui morar no interior e trouxe minha Olivetti no colo. Quando pára a força, é ela quem garante meu trabalho.

Olivetti rima com Internet e não é apenas uma rima – ainda é a solução.

*Moacyr Castro é jornalista e formado em História pela Puccamp, turma de 1973, e dedica este artigo ao mestre Odilon Nogueira de Mattos, que ensinava História para a História.

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