Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

1997Crônicas

E aí, Bill?

 

Vem visitar o quintal, é? Nós, aqui nos fundos, ficamos sabendo que seu governo tem um relatório dizendo que no Brasil a Justiça é lenta, a corrupção é grande e a educação, muito fraca. Cá pra nós, velho Bill, é tudo verdade. Yeah!

Por falar em corrupção, Hillary virá com você? No que deu o “escândalo Whitewater”? Aquele, em que vocês dois estavam envolvidos, lembra? E aquela história de pedir dinheiro para campanha dentro da Casa Branca, num café da manhã? Isso é crime aí, né? Velho Bill, velho Bill, me conta direitinho essa história de assédio sexual, em que uma garota acusa você. Dos males o menor; pelo menos é uma garota, não Bill?

O relatório da “justiça lenta” é da doutora Hillary? Bill, afinal, quem matou a mulher do O. J. Simpson? E quem é o assassino daquela brasileira que passeava no Central Park? Há mais negros ou mais gente da Ku Klux Klan nas cadeias americanas, Bill? Bill, quem matou John Kennedy? Porque vocês condenaram à morte Sacco, Vanzetti, Ethel e Julius Rosenberg e perseguiram Charles Chaplin, velho Bill? Foi um ato de justiça despejar bombas atômicas num Japão já derrotado? Também foi um ato de justiça matar três milhões de norte-vietnamitas? E vocês ainda perderam a guerra, Bill!?

A educação é fraca, porque vocês a enfraqueceram, Bill. Você ainda era um garotinho, quando o massacre começou. A ditadura foi obrigada a assinar o “Acordo MEC-Usaid”. Esse acordo, velho Bill, anulou nossa educação, vulgarizou a qualidade do ensino, desmanchou a força das escolas públicas e fez de muitas das particulares, estabelecimentos comerciais, à imagem e semelhança do (seu) Tio Sam. Tudo programado para não termos líderes, jovens idealistas nem cidadãos pensantes. Nos legou uma intelectualidade estagnada no tempo, de defensores de ideologias que nasceram mortas — de louvável só a luta sem trégua contra o seu imperialismo — e outra, de bajuladores. Os lúcidos são poucos e sumiram, desencantados. Tudo como vocês planejaram, não, velho Bill?

As lideranças oficiais que você cumprimentará enquanto estiver aqui são todas afinadas com o “American Way of Life”, treinadas para dizer sim para vocês e não para o nosso povo. Essa crueldade permite, por exemplo, que você declare, sem ficar vermelho, que sua visita ao Brasil serve para que “os tratados comerciais sejam feitos de acordo com os interesses dos Estados Unidos, antes que outros tomem a iniciativa e dêem forma às normas de comércio”. Nem precisava dizer, velho Bill. Afinal, a vida no planeta é uma concessão americana, desde que De Gaulle morreu. Você conheceu “Le Vieux”, velho Bill? Desde que a II Guerra acabou, ele foi a única verdadeira pedra nas botinas do Tio Sam. Que comunistas, que nada…

Reconheço, amigo Bill, você é presidente de uma grande nação, uma sociedade ensinada a privilegiar quem estuda, trabalha, pesquisa e empreende. Quase não precisam do mundo. Aliás, entrevistando uma defensora do imperialismo, há uns 20 anos, ela disse com prepotência peculiar: “Se o resto do mundo romper relações com os EUA, o resto do mundo morrerá de fome”. Vamos recebê-lo, velho Bill, apesar de tudo. Afinal você também é presidente do país que tem o maior mercado consumidor de drogas do mundo. E se a situação continuar assim, resta um consolo a este quintal: o futuro do seu país acabará antes do que o do nosso.

PS: Sabe o que diria minha avó, velho Bill? “Vá lambê sabon”.

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *