Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2002

Você ouviu o que houve?

“Cometeste um atentado contra a língua portuguesa!”
A exclamação foi da amiga Ana Maria de Oliveira Duarte Fonseca. Nome de embaixatriz, mulher de desembargador ou de almirante, mas tão ou mais importante do que isso tudo: telefonista aos domingos aqui no nosso “Correio Popular”. Se você estiver de mau-humor num fim de semana, ligue para ela. É a campeã do bom-humor, melhora o astral de todo mundo. Eu telefonei para tirar uma dúvida cruel e ela confirmou com certeza atroz.
Até agora não sei o que houve, mas saiu ‘houve’ em vez de ‘ouve’, logo na primeira linha da crônica de domingo. Não dá nem para culpar o computador. Justo ele, que me faz errar muito mais do que a velha Olivetti, que deve estar rindo, em seu esconderijo de mais de cinco anos. “La vendetta é un piatto chi se mangia freddo”, disse baixinho, sem chorar o abandono.
O computador já me fez chamar uma pessoa “insuperável” de “insuportável”. Trocou meu nome pelo da mestra e amiga Célia Farjallat numa crônica em que eu deixava o aborto por conta da mulher – e quem ficou por conta foi o padre de sua paróquia. Se for contar, não saímos daqui hoje. Tive um grande chefe no Estadão, meu amigo Raul Martins Bastos, que me ensinou muito; não deixava passar nada. Telefonava em casa, às vezes de madrugada, para corrigir as mancadas. Uma vez escrevi “medida palhativa”, em vez de “paliativa”; na outra, “ponte pêncil” no lugar de “pênsil”. E contei numa reportagem que Roque Melillo, milionário benfeitor de Campinas, morava em Nova York num “cubículo” de três cômodos. Só falou: “Não existe cubículo de três cômodos”. E desligou. Esquecer como, essas lições?
Aquela santa, mulher e amiga que mora aqui em casa foi logo prevenindo: “Pode esperar cartinha do seo Abramides.” Ainda bem. O professor Abramides é campineiro nascido em Piracicaba, engenheiro-agrônomo do nosso IAC e fundador do primeiro cursinho vestibular de Campinas, em 1954, ali na Avenida Anchieta. Esse querido mestre e amigo, do alto de sua humildade e atenção, há anos coleciona meus erros aqui e manda cartas, corrigindo um por um. E, maravilhoso!, explica os motivos dos erros.
Só me resta pedir desculpa pela barbaridade e agradecer aos céus por viver cercado de pessoas que não se cansam de me ensinar. Viver é aprender.
Pregado no poste: “Feliz aquele que, em vez de dinheiro, tem amigos”

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