Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2004Crônicas

Tertuliano e dom Fulgêncio

O tempo passa, mas o que é bom fica. E se repete. “Inda trudia”, novo amigo que não conheço ligou atrás do Tertuliano. Quem fez primário nos anos 50s deve lembrar-se desse texto do Arthur Azevedo. É ótimo. Principalmente comparado a certos personagens destes tempos de eleição. Olhe só:

“Tertuliano, frívolo e peralta/ Que foi um paspalhão desde fedelho/ Sempre incapaz de ouvir um bom conselho/ Tipo que morto não faria falta/ Deixando certo dia de andar à malta/ E indo à casa do pai, honrado velho/ Estando em frente ao espelho/ Disse: ‘Tertuliano, és um rapaz bonito, és jovem, és talentoso./ Que mais no mundo se te faz preciso?’ E o pai, sisudo, que por trás da cortina ouvira tudo,/ Severamente respondeu: ‘Juízo!’” Viu como se repete? De dois em dois anos, nossa vida se enche de ‘Tertulianos’.

Um pouquinho mais para trás, muitos hão de se lembrar de “Dom Fulgêncio” personagem de histórias em quadrinhos. Quem não viu é provável que alguma vez tenha sido chamado de “dom Fulgêncio”. Falamos nessa incrível figura domingo passado, sobre o dia dos Pais.

Esse herói é “filho” do arquiteto e cartunista argentino Lino Palácio, que o criou na década de 30, quando a Argentina era país de Primeiro Mundo, antes do inferno peronista, isabelista, camporista, montonerista, videlista, leopoldista,  e outros “istas” que quase destruíram um belo país.

Certa vez ele contou o motivo da inspiração: foi um homem que vendia Bíblias na Rua Bolívar, em Buenos Aires. “Ele era muito sério e eu não gostava de pessoas sérias, porque em casa, fomos criados sem-cerimônia, com muita alegria. Passei a observar esse homem. Ele sempre estava igual, profundamente sério. Seria por vender um livro tão solene como a Bílbia? Mas um dia, eu o vi chutando uma caixa de fósforos pela rua e exclamei: ‘Esse é o motivo! Esse homem nunca teve infância!’”

E no domingo, 24 de abril de 1938, dom Fulgêncio apareceu pela primeira vez nas páginas do solene, sério, sisudo “La Prensa”, da família Gainza Paz.

Dom Fulgêncio, é o homem que não teve infância. Adulto, sempre estava a brincar de roda; esconde-esconde; de jogar botão, queimada, bétis, matadinha, joão-bobo e pingo; pular corda; andar de tico-tico; empinar pipa (sem cerol); fazer barquinhos para navegar na enxurrada ou na banheira; pular sela e amarelinha… Numa de suas “tiras”, estão ele e um garoto sentados em um banco da praça. Passam pela calçada, em sentidos contrários, uma mulher bonita e um menino com uma pipa. Enquanto o garoto olha para a mulher bonita, dom Fulgêncio observa a pipa.

Pregado no poste: “Mostre para seu filho hoje que é melhor ser dom Fulgêncio do que Tertuliano”

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