Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2002

Sinal dos tempos

Era difícil transitar pelas ruas do Jardim Itatinga, há quase 30 anos, quando começou a nascer o bairro em que confinaram as “meninas” de Campinas, lá pra perto das bandas do aeroporto. Vi há poucos dias o Correio contando a decadência do lugar. (É capaz que alguém se escandalize: “Um lugar como aquele é sempre decadente!” Tudo depende do ponto de vista do observador.) Casas chiques, com piscinas, quadras de tênis, sauna, garçons bem vestidos — muitos funcionários de segundo escalão, que acompanhavam comitivas de chefes de estado em visita ao Brasil, se hospedavam ali, enquanto os governantes cumpriam a agenda diplomática. Tive uma colega na faculdade, descendente de um grande barítono europeu, que morava no “Jardim”. Só descobrimos no terceiro ano. Nem por isso ela foi segregada, discriminada, censurada. Boa gente, a M.E..
Um cientista, já falecido, também escolheu viver ali. Solteirão convicto, o C.G. tinha, também, outra convicção: “Casamento, só depois da aposentadoria. A pesquisa me consome 24 horas por dia de dedicação e seria irresponsabilidade minha formar uma família e não conviver com ela”. Ele se aposentou, se casou, teve filhos…
O “Jardim” teve seu auge, com padre e paróquia, posto de saúde, centro de orientação psicológica, sala do Mobral. Era um bairro pacífico, de raríssimas ocorrências policiais, marginais não tinham vez e o consumo de drogas, claro que havia, absolutamente às escondidas. Quando o confinamento fez dez anos, ganhou reportagem de capa na revista Time — capa ornamentada com uma flor de lótus, símbolo “delas”, porque nasce na lama.
Mas era difícil circular por ali. Ruas esburacadas, terra vermelha, um poeirão, que marcava o colarinho dos freqüentadores em dias de vento, e de lama o sapato, que os denunciava em dias de chuva. Corria muito dinheiro no “Jardim” — era o ponto de táxi mais caro e disputado da cidade. Tanto dinheiro que, certa vez, um grupo de “meninas” conseguiu uma audiência, reservadíssima, com o então prefeito. Foram pedir asfalto para as ruas do bairro. Constrangido, o alcaide argumentou: “Vocês estão loucas? Se eu gastar dinheiro público ali, será meu suicídio político…” Elas rebateram: “O senhor não entendeu; a gente paga tudo!”.
A pílula, a liberação da mulher, a proliferação de motéis, o tráfico de drogas, a aids, o aumento da criminalidade — o “Jardim” está morrendo, junto com sua razão de viver, a mais velha das profissões.
Trinta anos separam dois episódios: aquela visita das “meninas”, propondo ao prefeito pavimentar, às próprias custas, as ruas do bairro que elas mesmas construíram, e essa visita que o senhor secretário da Promoção Social, João Batista Martins de Sã, recebeu mês passado. Diz a notícia: “Representantes de travestis e transexuais de Campinas foram à Prefeitura cobrar agilidade na criação de cursos profissionalizantes para os chamados profissionais do sexo”. Elas, sorridentes; eles, compenetrados.
Notícia inimaginável nos jornais, há 30 anos. Tudo mudou — os homens e as mulheres. Nem prostitutas se fazem mais como antigamente. Prostituta, agora, é homem. Curioso é a Prefeitura dar “cursos profissionalizantes” para “profissionais do sexo”. Vai ensinar o “Padre Nosso pro vigário”, senhor secretário?
PS: Beto Zini, você disse que está abalado com a situação do Guarani? Abalada está a torcida, senhor presidente. Falar nisso, já contratou o presidente da Ponte para presidir o Guarani? Tenta, né?

 

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