Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2002

Como se faz um excluído

Quando a gente perdia a bolinha de plástico, usava um comprimido de Melhoral, mesmo. Na verdade, nem era uma bolinha, mas um disco achatado. E o goleiro, uma caixa de fósforos vazia – no lugar dos palitos, chumbo derretido. É que antigamente, as pastas de dente vinham embaladas em tubos de chumbo; hoje, elas se chamam creme dental e a embalagem é plástica. Ainda bem, porque descobriram que o chumbo faz mal à saúde, mas vai bem no recheio dos goleiros. Ficam pesados e não há “bagaçada” que os derrube.
E a trave? Ah! Armação de arame revestido de plástico – difícil e gostoso de fazer. A rede era de filó branco, para ficar como um véu de noiva, igual à da Copa da Suécia. O filó podia ser filado às escondias do véu da irmã ou do vestido de noiva que sua mãe guardava no fundo do baú. Naquele tempo, era mais fácil: mulheres e meninas sem véu nem entravam na igreja.
O campo de jogo era a mesa da sala, sempre de madeira; da cozinha, quase sempre de fórmica; o chão do terraço, de cerâmica, ou do quintal, de vermelhão ou ladrilho, bem ‘juntadinho’. Linhas de fundo e laterais, pequena e grande área, marca de pênalti, meia-lua, baliza de escanteio, grande círculo e caroço do abacate, tudo riscado a giz. Perfeição.
E os times? Quase todos os jogadores eram botões de capa de chuva ou de celulóide (tampa de relógio), ganhos na relojoaria Chinelatto, do Gilberto, ali na César Bierrenbach; na Manzini, do Edmir e do Venéreo, na Conceição; no seu Caetano Failacce, na General Osório, ou no Sidney Rodrigues, da Treze.
Tudo de graça, divertimento barato, bom para dia de chuva. Contagiante, simples como a vida sem televisão. Melhor do que ganhar um brinquedo a mando da Xuxa é saber fazer um brinquedo.
Agora, vejo como se joga botão numa dessas revistas de ricaços. Um acinte. Jogo botões de madrepérola (R$ 65,00!); mesa (R$ 200,00); trave (R$ 20,00, o par!); bolinha (de feltro, R$ 2,00); apertadeira (ou palheta ou batedeira (um roubo, R$ 5,00); goleiro (R$ 15,00); estojo para guardar os botões (uma graça, R$ 50,00) e ‘timer’ dinamarquês, para marcar o tempo de jogo (R$ 256,00). Total: R$ 613,00!.
Como diz o Renato Otranto (ele consegue fazer gol de cabeça em jogo de botão!!!): “Na certa, os jogadores usam perfume; gel nos cabelos; piercing de ouro na língua, no nariz, no umbigo, nos dentes; camisa de seda; sapatilhas; brincos da cor dos botões e talquinho importado no bumbum!”.
Como uma criança ou quem quer que seja precisa gastar R$ 613,00 para montar um time de botão?
Ah Brasil! Que saudade de você!

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