Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2002

Santo Antônio vem aí

Não falei? Se você quiser conhecer a vida de algum santo, não adianta amolar o Papa nem se queixar ao bispo. Sabe quem é “assim cos home”, digo, com os santos? O pai do Daniel. O cientista Evaristo Miranda. Ele sabe tudo, até quanto media o cajado de São Cristóvão — se é que São Cristóvão existiu e usava cajado. Um tempo atrás andaram cassando alguns santos e São Cristóvão estava na lista. O Evaristo lembra também do apelido que São Jorge deu para aquele dragão da maldade que azucrina a vida dos corintianos: “Palmeiras”, né Evaristo? Ele conta, na ponta da língua, dia, hora e local da última vez em que São Paulo fez a barba. O Evaristo tem o endereço do chaveiro de São Pedro, o porteiro do Céu. Só não revela a marca da chave, porque Deus proíbe usar o espaço celeste como espaço publicitário.
Ele sabe porque quem está perto de quem se engasga grita “São Brás!”. Em dia de tempestade, ao primeiro relâmpago, se exclama: “Santa Bárbara!”. Para a chuva passar e o dia clarear, não falha: reze para Santa Clara e bote (?) um ovo na janela. O Cecílio Elias Neto perdeu os óculos, rezou para São Longuinho, deu três pulinhos e o dito cujo apareceu. Pode-se rezar, também, três Salve Rainha, até “nos mostrai”, que o objeto sumido volta. Verdade! Imagine a cena: minha irmã, a Tuca, conseguiu o milagre de achar a lente de contato que caiu no chão do salão da Fonte São Paulo, em pleno baile de Carnaval. Enquanto a banda mandava ver, ela se ajoelhou, rezou e achou. No meio daquele mundo de confetes. Ninguém acredita. Nem ela. Você também não, né?
O apelo e a devoção não terminam. Problema nos olhos? Santa Luzia. Causas impossíveis? São Judas Tadeu. Depois do “pacote” do governo, a coitada da Santa Edvirges é a mais procurada. Ela é a salvação dos endividados. Cada santo com sua vocação; por isso, há um para abençoar cada dia. Mistérios. E o Evaristo conhece o currículo de todos, sem ser santarrão nem carola.
A cumplicidade desse meu amigo com os santos é tamanha que foi ele quem inventou aquela história de oferecer um “trago pro santo”. Juro. A não ser, claro, de vinho francês. E o único feriado que ele celebra e guarda no ano é o Dia de Todos os Santos. Para ele, “todo santo dia” é “dia santo”, dedicado ao trabalho e à ciência.
Quando descobri que Santo Antônio, o mais “devotado” do Brasil, segundo o Evaristo, é general do exército brasileiro, ele me mandou uma carta e o “Calendário Antoniano” de 1998, que se publica há cem anos na Europa e há 71 no Brasil. Está lá: no Timor Leste, não renovaram a patente do santo casamenteiro. Naquela terra de língua portuguesa e heróica resistência, Santo Antônio ainda é só coronel. E olha que o bispo do Timor, dom Carlos Filipe Ximenes Belo, ganhou o Nobel da Paz em 1996. Ano que vem, comemoram-se 800 anos de nascimento desse grande orador do cristianismo. Suas relíquias estão correndo o mundo e entre junho e agosto, elas passarão pelas capitais brasileiras. Enquanto nos quartéis a Força se prepara para bater continência, as moçoilas casadoiras decoram orações, o Evaristo, um dos melhores ecólogos do mundo, vai confabular com o santo, pedindo ajuda para que os homens parem de matar a natureza.
PS: Se alguém souber a letra, em italiano, da música que canta as façanhas do general Cadorna, por favor, me mande. Em tempo: nada a ver com Santo Antônio.

 

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