Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2002

Das covas e das trevas

Ilustríssimo senhor ex-governador, desculpe pelas brincadeiras aqui contidas, mas elas resultam da indignação e de um sonho em que “vi” o senhor assediado por três crianças. Foi assim: está vendo aquele garotinho ali? Vamos lá, repita com ele: “Um mais um, dois; dois mais dois, quatro; quatro mais quatro… nove.”. Não, senhor ex, quatro mais quatro são oito. Continue: “Cinco mais cinco, dez; dez mais dez, dezoito…”. Deixe pra lá; um dia vossa senhoria aprende.
Vamos tentar, agora, aquela garotinha: “B com A fica BA; B com E fica BE; B com I, BA, BE, BI; B com O, BA, BE, BI, BO; B com U, BA, BE, BI, BO, BU.”. Repita o que ela disse, ex-governador. Também não consegue? Bem, de quem deixou fechar uma biblioteca, não se poderia esperar nada melhor.
Aquele outro menininho, ali, vive na roça e está visitando uma estação experimental do nosso IAC. Vamos ouvir o que ele tem a dizer? Ele está espantado depois de vê-lo empacar diante da tabuada e do beabá. “Imagine, um homem formado na Escola Politécnica da USP fechar uma biblioteca! Será que a política embruteceu nosso governador? Ele deixou que fechassem a biblioteca do Instituto Agronômico, o maior templo de conhecimento agrícola da América Latina!”.
Ensine o doutor (!), garoto:
“Alface, almeirão, couve, escarola, todas as verduras, como o senhor pode ver, não são feitas de retalhos da camisa do Palmeiras nem do Guarani. Nabo, que o senhor gosta tanto de ver no… prato dos outros, não é feito da camisa do seu Santos Futebol Clube, só porque é branco. Nabo é legume, como a cenoura, a beterraba, a beringela. Abacaxi é fruta, não é filme de segunda categoria. Dente de alho não se compra no protético nem cebola dá em réstia. O que está procurando aí no cafezal do mestre Alcides? Xícaras? Não, doutor! Antes de se servir o café, é preciso colher esses frutinhos vermelhos, secá-los, depois torrar e moer. Do pó é que se faz a bebida. Sabe aquela fruta que seus amigos políticos gostam de usar pendurada no pescoço, só para aparecer? Isso, a melancia. Pois é. Ela também nasce na terra. Banana também é fruta, embora o senhor goste de chamar alguns de seus adversários de bananas e até de distribuir algumas para os professores, médicos, agrônomos, cientistas, todos condenados a viver com o salarinho e o desprezo que o governo de vossa senhoria dedica a eles. Peixe, além de ser o apelido do seu time, não dá só no mar que banha a sua cidade. Já ouviu falar em rio? É um curso de água doce… Calma, não puseram açúcar na água do rio, é só para distinguir da água do mar, que é salgada. O sal vem do mar, o senhor sabia? E o açúcar vem da cana. Não! Da cadeia, não! Da usina. Quando a gente fala que alguém foi “em cana”, está usando gíria. Onde já se viu, doutor? O frango é filho da galinha! Quem disse ao senhor que ele nasce congelado no balcão do supermercado? Tá pensando que balcão de supermercado é chocadeira? Não adianta procurar data de validade na casca do ovo, meu senhor. Isso que o senhor chama de ‘embalagem perfeita’ também é produto da galinha. Lingüiça? Não, a lingüiça não vem do porco castrado, não. Vossa excelência errou de novo: aquele das orelhas menores é o cavalo – o que tem orelhas grandes é o burro. Dizem que na política está cheio deles. Mas há uma diferença: os burros da roça trabalham. E leite não dá no saco; o que dá no meu saquinho é o seu governo!”.
Pregado no poste: “Uma grande nação se ilumina com homens e livros”

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