Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2004Crônicas

Pernàchia per tutti!

Mudaram o jogo Paulista x Palmeiras, para punir os torcedores de Jundaí, por causa das bolachas que eles deram nos ponte-pretanos. (E levaram?) O presidente da FPF, o Marco Polo Del Nero (com esse nome deve descender dos mais puros baianos…), pensou: “Tiro o jogo de Jundiaí e mando para Araras, porque lá está cheio de italianos e o Palmeiras jogará em casa un’altra volta. Ecco!”.

Nada disso. O jogo de hoje saiu do quilômetro 56 e foi para o 145 da mesma Anhangüera. Só mudou a linha do trem: saltou da Paulista para a Mogiana, mas a torcida é a mesma e boa italianada. Mudou também a paisagem: da uva para a cana, do vinho para a garapa. Repare bem no distintivo do Paulista: é a frente exata de uma locomotiva da extinta, mas gloriosa, Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Vai ser uma festa dos Cereser, Ometto, Simioni, Vicentini, Cazelato, Guzzi, Cesário, Bragantin, Polentini, Sacoman, Policeno, Degani, Biassotto e tutti quanti.

Essa semifinal cheira a Paulista. Sei, não. Em vez de torcer para um deles, vou torcer, mesmo, é para que não se repita o que aconteceu há 89 anos, na plataforma da Estação da Luz, em São Paulo (já que falamos de trens…). Você conhece bem festa de italianos, pois não? Quando não acaba em pizza, acaba em pancadaria. Dizem que italianos são como cachorros de trenó: brigam, brigam, brigam, mas puxam todos para o mesmo lado. Ou, se cobrir é circo, se cercar é hospício.

O medo se justifica. Num Dia de Finados, no cemitério da Consolação, eis que me espanto com dois grupos de distintos velhinhos empinados, vestidos a caráter, com pompa, circunstância, capacete, penacho e estandarte. “Ressuscitaram agora!”, pensei. Fui chegando. Alguns choravam, outros gesticulavam (italianos, logo vi). “Ma che succede?”. O mais simpático se aproximou e me identifiquei logo: “Giornalista.”

Sorriso daqueles, muitos dentes de ouro. “Na Prima Guerra Mondiale, fomos inimigos na Itália! Nós somos ‘alpini’ e eles, ‘bersaglieri’. Embarcamos juntos na Estação da Luz para o porto de Santos. Viajamos no mesmo trem, mesmo navio, mas na nossa Itália cada um procurou sua gente, para depois guerrear. Aqui a gente se dava bem, mas lá, cada um matou um monte de cada um de nós, me entende?”

Entender como? Esses caras são loucos, cáspite!

Visitavam os túmulos dos que voltaram e morreram aqui, juntos, em fim e em paz. Antes que eu começasse a rir, ele completou: “Veja o signore! Ainda na Estação da Luz, saiu uma briga, morreram tre de noi e due deles! Tuo giornale, o Estadon, deu a notícia!”. Deu mesmo. Saíram calmos. Até me convidaram para uma galinhada em Valinhos, ao lado de Jundiaí. Fiquei com medo.

Pregado no poste: “Hoje, Araras é uma festa”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *