Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2002

O terno

Não me lembro mais em que cidade aconteceu, mas aconteceu. E tinha de ser na câmara municipal, essa notável instituição formada por cidadãos incorruptíveis, uma parte deles incorruptível até serem eleitos. Depois… Tenho quase certeza de que não foi em Campinas, mas essas câmaras são (quase) todas iguais. A de São Paulo, por exemplo, só é maior.
O fato é que o faxineiro daquela egrégia casa morreu. (No dicionário, está escrito que “egrégia” quer dizer: “Insigne, nobre, ilustre, distinta, admirável.”. Você concorda?).
O que morreu era um funcionário humilde, de último escalão. Justo ele, encarregado de limpar a sujeira deixada pelos vereadores. Devia trabalhar feito doido, o coitado. “Morreu de tanto trabalhar”, disseram.
O chefe de gabinete do presidente quis saber: “Doutor, vamos enterrar o faxineiro de macacão, mesmo? O coitado era tão pobre, que nem terno tinha.”. Parece que era faxineiro de carreira, aprovado por concurso. Tivesse sido nomeado por algum padrinho, mesmo para ser faxineiro, não precisaria trabalhar. Ainda que o padrinho ficasse com parte do salário.
“Não. Vamos dar um velório digno para esse servidor. Não precisa ser no saguão, nem suspender a sessão de hoje à noite. Mas mande comprar um terno, vista no faxineiro e envie a conta aqui para o gabinete”, determinou o presidente da egrégia.
Tempos depois, o Tribunal de Contas do Estado devolveu as contas da câmara, todas reprovadas. E os conselheiros daquela outra instituição impoluta queriam saber do presidente o motivo de, todo mês, a câmara ter de pagar a conta de um terno. O presidente chamou o chefe de gabinete, homem tão inteligente quanto pode ser um afilhado político nomeado para cargo público: “Por que temos de pagar todo mês o terno daquele faxineiro que morreu?”.
O chefe de gabinete explicou: “Uai… O terno foi alugado, seo dotô.”
Pregado no poste: “O corrupto é inteligente ou esperto?”

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