Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2004Crônicas

O namorado gato e a namorada lebre

Esta aventura amorosa tem sete anos. Conta a história de um dos primeiros namoros virtuais tornados públicos no Brasil. O romance cruzou o ciberespaço brasileiro, de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, a Paranaíba, no Piauí. Foi assim:

Um enganou o outro, o outro enganou o um e o computador enganou os dois. A artista plástica Carla Patrícia, 29 anos, moradora em Campo Grande, buscou na Internet o caminho para fugir da solidão e da vida de frustrações amorosas. Solteira, solitária, antes de ceder às aventuras internautas, agarrava-se ao Prozac para vencer a depressão. No fim de setembro, conheceu “Flávio Caiado”, pela Internet. Foi amor à primeira plugada. Paixão que cresceu com a troca de fotografias, mas foi aí que começaram os desenganos.

Ela mandou para ele fotos do tempo em que era modelo na Capital de Mato Grosso do Sul. Carla tinha 18 anos nas imagens recebidas por “Flávio”, que mora em Goiânia. Um glamour, um charme e uma meiguice que os anos, e alguns quilinhos a mais, já vinham apagando. A Carla que confessava paixão pela Internet, na verdade, não era mais a Carla das imagens transmitidas pela rede mundial.

Em troca, ela recebeu fotos de um “Flávio Caiado” atlético, “criador de touros reprodutores da raça nelore e dono de um iate”. Nas “amostras” mandadas por ele, aparece um rapagão de torso nu no convés da embarcação e à porta de um BMW. Também Flávio não é nada disso. Ele não é “Caiado”, sobrenome da riquíssima família goiana do fundador da UDR. Seu sobrenome é um prosaico Silva. Só.

Mas os dois só foram saber quem é quem, a partir do dia 1º, quando Carla pediu demissão na loja de tintas Pael, onde trabalhava como “promotora de cores”, juntou mais R$ 10 mil que guardara na poupança e partiu ao encontro do parceiro internauta, em pleno Planalto Central. “Os primeiros dias eram de felicidade absoluta, pareciam dois pombinhos”, contou a mãe, a paisagista Maria Concepción Rodrigues Coelho.

O susto aconteceu uma semana depois, quando o gerente do Banco Real em Campo Grande estranhou o valor do cheque de Carla: R$ 4.500,00, emitido para pagar a conta de um luxuoso hotel de Fortaleza. Alertada pelo bancário zeloso, dona Concepción mandou bloquear a conta da filha e chamou a polícia. Ficou apavorada, porque no hotel cearense, informaram que o casal de internautas partira deixando tudo na suíte, onde passaram cinco dias. Viajavam em um carro alugado.

Com a ajuda financeira do senador Lúdio Coelho (PSDB-MS), do dono da casa de tintas, patrão de Carla, e “de mais alguns amigos”, dona Concepción junto dinheiro, comprou três passagens aéreas para a delegada Wilma de Carvalho e para as agentes Maria Campos Mendes e Fábia Maria Kalil. As três policiais voaram para Fortaleza no meio da semana a fim de ajudar na busca de Carla e Flávio. Em Goiânia, o pai dele engrossou a apreensão da família: “Meu filho tem 35 anos, passa por alguns problemas psicológicos, mas não é violento”. De fato, Flávio é procurado pela Justiça, por que não paga a pensão alimentícia das filhas do primeiro casamento. E responde a um processo por estelionato. Entre tanta apreensão, um trote na noite de sexta feira. A mãe de Carla recebeu um telefonema: “É sobre a Carla Patrícia… Mataram a Carla Patrícia!”. Dona Concepción entrou em pânico. “A voz era de um adolescente, mas firme e solene”, ela definiu.

Sábado, o delegado Lauro Dantas, da Polinter em Fortaleza, descobriu, rastreando os cheques passados por Carla, que eles já estavam em Paranaíba, no interior do Piauí. “A Carla está sendo induzida por um estelionatário. Ele escolhe só lugares isolados para se hospedar com ela, porque, assim, as vítimas que recebem os cheques não têm tempo de verificar que eles estão sendo bloqueados”. E deu 24 horas para pegar o casal. A delegada Wilma Carvalho deu o caso por encerrado e voou de volta para Campo Grande na madrugada de ontem. As agentes Fábia Kalil e Maria Campos ficaram no Piauí e ontem, às 12h30, acompanhadas do delegado João Dias, da Polinter, em Teresina, prenderam Flávio e libertaram Carla.

A artista plástica é esperada hoje à noite em Campo Grande. Da mãe, ela e as policiais receberão um bouquet de flores. Por via das dúvidas, dona Concepción levará um comprimido de Prozac, medicamento que a filha esqueceu no hotel de Fortaleza, quando a aventura ainda estava começando.

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *