Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2004Crônicas

O lugar

Lembra do “dá de bico, que vale taça”? Ou do “chuta pro mato, que é jogo de campeonato”? Melhor do que esse jogo, domingo passado aqui em Araçatuba, só o dos amigos do Carlito Milanês, lá em Arraial d’Ajuda, na Bahia. Foi assim: o Bandeirante de Birigüi, time do coração da ponte-pretana Conceição, não mereceu ganhar, mas o Araçatuba mereceu perder. Na geral, uma fila de soldados, todos de capacete, porque nenhum era bobo nem moto-taxista, separava a gente de Birigüi da gente de Araçatuba. Um grupo xingava a mãe do outro, os guardas no meio. No intervalo, perguntei:

— Qual o pior palavrão que você ouviu hoje?

— Vixe! Um xingou até meu capacete. Disse que é filho de tartaruga com tatu. Veja se pode.

Jogo esquisito no primeiro tempo, estranho no segundo. De Birigüi, parecia ter vindo a cidade inteira. De Araçatuba, parecia que a cidade inteira tinha ido para a frente da TV – afinal, Paulista e Palmeiras também prometiam um jogão em Araras. Paulista e Palmeiras cumpriram.

Logo no comecinho, o juiz deu cartão amarelo para um jogador de Araçatuba só porque ele estava de brinquinho. No futebol feminino, de modess pode?

O Birigüi ganhou o primeiro tempo no pênalti. A diferença em favor dele não foi o gol, mas sua torcida. Ela empurra o time, não pára de batucar, brincar, provocar e aporrinhar com aquele coro: “Piriri, pororó, Araçatuba ó, ó, ó…” No “ó, ó, ó”, mexiam os braços, mas como eu estava do outro lado, não deu para ver direito o que é “ó, ó, ó…”.

Um jogador de Araçatuba caiu e a torcida de Birigüi não perdeu tempo: “Pipoqueiro! Pipoqueiro!”. Resultado: pipoqueiros, sorveteiros, amendoinzeiros e aguadeiros foram todos para o lado de lá.

No segundo tempo, o jogo piorou. Os jogadores de Araçatuba pareciam vendidos em campo. Vendidos no bom sentido, algo assim como perdidos. Não se empenhavam nem desempenhavam, apáticos, caindo à toa, cometendo faltas bobas no meio de campo. Nunca vi: cabecear para cima dentro da área do adversário, dar toquinho de calcanhar na própria área, chutões, muitos chutões, muita firula para chegar ao gol do Bandeirante, mas não chegaram – devem estar indo até agora.

Não vi nenhum jogador de Araçatuba reclamar nada com o juiz e só vi sua torcida xingar o técnico do Bandeirante. E ele nem jogou.

Com tanta indiferença, os torcedores resolveram mudar de assunto. Atrás de mim, duas garotas, ‘marias chuteiras’, já falavam de amenidades:

— Fiz uma reforma no meu quarto, ficou tão bonito!

— Aproveite e organize um churrasco no quarto, uai!

— ???

— Quer lugar melhor para comer carne?

Essa foi melhor que o jogo…

Pregado no poste: “A senhora não sabe nem fazer concurso, dona Izalene?”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *