Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2003Crônicas

Nossa língua portuguesa

Esse ex-ministro Marcus Vinícius Pratini de Moraes é uma peça rara. Foi da Indústria e Comércio, do Médici (função que, infelizmente, suja qualquer currículo), e da Agricultura, do Fernando Henrique Cardoso. Mas sempre boa-praça, o Pratini. Na ditadura, jamais deixou de atender a imprensa, e com cordialidade; nunca o vi cercado de gorilas da segurança e não mentia. Tudo que declarava era confirmado. Não enganou ninguém. Dia desses, ele veio fazer conferência aqui em Ribeirão Preto para empresários do agronegócio, e falou da importância de se falar, e bem, o idioma de cada interlocutor. Sempre tive boa prosa com esse (bom) gaiteiro gaúcho.

Uma vez, já fora do governo, ele trabalhava para um grande grupo ligado à exportação. Ele me recebeu às dez da manhã, no último andar de um edifício elegante na Praia de Botafogo, com vista para o mar. Entrei e o Pratini estava com os pés sobre a mesa, fascinado com a paisagem carioca (se existir mais bonita, só no Céu). Saudei, chamei, veio o cafezinho, tomei. E o homem lá. Nem percebeu que eu estava ali. De repente, lamentou: “Vocês, paulistas, só pensam em trabalho. Veja se é possível trabalhar diante de uma paisagem dessas! Você já viu um mar, um sol e um céu como esses? Senta aí e vê se te cala mais um pouco.”. Fiquei, né? Fazer o quê?

Aqui, o conselho foi outro e quem me conta é o jornalista João Garcia, aquele do livro “Dioguinho, o matador de punhos de renda”. Ainda não leu? Foi assim:

“Quando falava sobre negociações internacionais, o Pratini dedicou-se à divagação de como é bom ter uma cultura poliglota. E emendou: ‘Cada língua tem sua função… o inglês serve para negociar; o alemão, para dar ordens; o italiano, para descrever belezas, porque é um idioma preciso e suave; o espanhol é ótimo para falar com Deus, pois tem os melhores superlativos, apropriados à figura divina.’ E veio a pergunta: ‘Mas, e o francês? É bom para quê: ‘Ah, o francês é a melhor língua para galantear, conversar com as senhoras’… Ele só se esqueceu de dizer pra que serve o nosso bom português.”

Para mim, naquela manhã carioca, ele contou para que serve o nosso bom português. Foi a primeira vez que ouvi na vida a palavra “flexibilidade” – expediente, segundo ele, usado para tratar com negociadores estrangeiros a venda de produtos brasileiros. Disparei: “O que é isso, ministro? Suborno?”.

Ele se assustou. “Não! A gente faz um show com as mulatas do Sargentelli no hotel onde eles estão hospedados, que eles compram tudo! Tudo! É isso, o português é flexível – serve para convencer ou… seduzir. Entendeu?”

Pregado no poste: “Estude. Para trabalhar no exterior”

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