Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

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Não é de hoje

Não foi a fumaceira das chaminés; o veneno que sai dos escapamentos dos carros; o petróleo que vaza e mata nos mares; muito menos a sujeira que jogam nos rios ou o barulho que já faz surda nossa geração. O primeiro grito ecológico foi ouvido num Carnaval dos anos sessentas, quando, não sei quem nem quantos, protestaram contra a quantidade imensa de penas de pavão que enfeitavam passistas de escolas de samba no Rio de Janeiro. Mesmo o fato de saberem que o pavão troca de penas na mesma época em que acontece o reinado de Momo, primeiro e único, acalmou os primeiros ecologistas. Nem as sociedades protetoras dos animais se insurgiram.

As tintas tóxicas que sufocavam o corpo pintado de ouro e prata até em volta dos olhos; a bebedeira que enchia os prontos-socorros de foliões exagerados em coma alcoólico ou a lança-perfume, que viciava, preocupavam menos. Aquelas latinhas metálicas são perseguidas desde os tempos de Jânio Quadros. Eram notícia nesses três dias de folia e nada mais. Inadmissível, mesmo, era arrancar pena de pavão para desfilar na avenida. A revolta ecológica começou no Brasil com a defesa dos bichos. Depois do pavão, foi a pele de onça e de raposa, usada como tapete ou casacos e estolas para agasalhar insuspeitas damas da sociedade. Mas nunca protestavam contra a matança de chinchila que cede seus pelos para a fabricação de chapéus masculinos nem contra o comércio de marfim que custa dos dentes dos elefantes. Já que o chifre do rinoceronte dá um pó dito afrodisíaco, ninguém defende esse coitado.

Em seguida, gritaram com a exportação de borboletas e o uso de suas belas asas para adornar pratinhos de parede — durante muito tempo, vendidos a turistas estrangeiros no morro da Urca, quando viajavam no bondinho do Pão de Açúcar. Também ninguém jamais reclamou contra a matança de gatos que dão o couro para fazer tamborins ou são trocados por ingressos de circo, quando caçados e entregues para alimentar as feras domadas. Depois, vieram as campanhas de proteção das baleias, dos micos-leões, dos tigres de Bengala, do lobo-guará, do… Todas meritórias, educativas, necessárias. Mas do jeito que vai, se começarem a campanha de proteção do bacalhau, vai aparecer restaurante fazendo bacalhoada com Hipoglós. Deve ficar horrível.

(Critério? Coerência? Piedade? O Juca Chaves escreveu certa vez que a “ecológica” Brigitte Bardot mata 17 bois por semana para alimentar os leões que ela protege.).

Agora, veja a notícia publicada há 100 anos, em pleno Carnaval, com todo respeito à ortografia da época: “Mais de 300 milhões de aves se abatem annualmente para adornar os chapéos das damas, só na Europa. Uma casa de Londres importa annualmente 400 mil beija-flôres, 6.000 aves do paraíso e 50.000 azas de passaros diversos. Outra casa londrina só em quatro mezes vendeu no anno passado 800.000 passaros das Indias e do Brasil. O congresso dos ornithologos americanos, reunido em Nova-York, protestou energicamente contra essa matança que fará desapparecer algumas raças uteis e apella para o coração das damas que são inconscientemente cumplices de um crime contra a obra da creação“.

Sem trocadilho, os ingleses não têm “pena” dos pássaros?

 

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