Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2003Crônicas

Festa junina na colônia

Havia quadrilha, e os políticos eram raros, porque analfabetos não votavam e a maioria vivia na roça, embora já fossem mais importantes e trabalhadores do que os interessados em votos. Dança bonita, herança francesa, cheia de balancê, en avant, en arrière, approcher, traverser… Tinha fogueira, tradição portuguesa. Aviso de Isabel à prima Maria, já grávida de Jesus, de que o filho João Batista nascera. De fato, a 24 de junho. Hoje, ‘ecochatos’ querem apagar a fogueira da história da roça.

Pau-de-sebo: no alto, a imagem do santo e o prêmio, para quem chegasse lá. Se o rapaz estivesse “tirando linha” com a garota, para incentivar o caso alguém pagava para os dois ficarem presos na ‘cadeia’. O ‘correio elegante’ também ajudava a unir dois corações. E a barraca da pesca? Chão de areia cheio de bolsas, estojos de lápis de cor, chapéus, cintas, tudo doado pelo comércio do arraial. Tiro ao alvo: quem acertasse nos pratos de louça ganhava ursinhos de pelúcia, bonecas e até ramalhete de flores para a namorada – ou bolas para o irmãozinho chato dela, que ia à festa segurar vela e pedir maçã do amor, rútila, espetada no pauzinho de picolé. Sem falar na maçã pendurada num barbante para que casais mordessem – era o beijo mais roubado e mais desculpado pelos pais… dela. Apostou na toca que o coelho escolheu? Parabéns, leva meia leitoa do açougue do seo Pires.

Fome? Pé-de-moleque, pipoca, milho cozido, canjica na tigela, arroz-doce no papel-manteiga, bolo de fubá, broa, pamonha, cocada, doce de abóbora (puts!). Se beber quentão ou vinho quente com casca de laranja, gengibre, cravo e canela, cuidado para não tomar gelado: dor de barriga.

Já foi noivo em casamento de festa junina? Padre, juiz ou delegado? Ah! Se o noivo fugisse, também ia pra cadeia. E a sanfona não parava de alegrar a noite do povo brasileiro mais simples, mas feliz.

Outro dia li carta de leitor que levou a filha à festa junina na escola. Pensou estar em lugar errado, afinal, uma escola devia educar. Bailarinas, caubóis, batman, homem-aranha, pokemon… “Uma monstruosidade!” Rapazes e meninas de tênis, tatuagens, piercings; música ‘sertanoja’, guitarra no lugar da sanfona e da viola. Hambúrguer, hot-dog, Coca-cola, milkshake… Chapéu texano em vez do de palha; meninas com boustier no lugar do vestido de chita, mostrando mais do que insinuando. Botas de napa em vez da rangedeira, ninguém de alpargata. Camisa de grife — esqueceram da xadrez de flanela. E nem uma moça de maria-chiquinha, meu Deus! Ninguém de bigode, barba e cavanhaque pintado com carvão ou rolha queimada. Logo, em vez do brilho dos fósforos de cor, traques, estalos de salão, busca-pés e bombinhas, veremos bombas incendiárias e mísseis! Que desespero! Festa junina não tem mais barraquinhas, agora só tem stands!

Pregado no poste: “Brasil, mais uma estrela na bandeira americana”

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