Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

1999Crônicas

Eles querem cadeia

Uma vez, participei de uma reunião de prefeitos de cidades da Alta Paulista. Para quem não tem idade suficiente, Alta Paulista é a região de São Paulo que vai de Marília às barrancas do Paranazão, divisa com o Mato Grosso do Sul, seguindo a linha da estatizada (portanto, estragada) Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Paranazão é o nome carinhoso que os ribeirinhos do extremo Oeste paulista dão ao Rio Paraná.

Essa Alta Paulista foi colonizada pela estrada de ferro, principalmente depois da crise de 29. Uma curiosidade: de Bauru em diante, as cidades foram batizadas em ordem alfabética. Assim, alinham-se ao longo dos trilhos, Alba, Brasília, Cabrália, Duartina, Esmeralda, Fernão Dias, Gália, Garça, Herculândia, Itiratupã, Jafa, Lácio, Marília, Nóbrega, Oriente, Pompéia… Todas nascidas a partir de uma estação e enriquecidas pela agricultura e pelo trem. A Companhia Paulista era uma das melhores ferrovias do mundo, um orgulho para a gente de São Paulo. Aí, foi estatizada: morreu.

Assim como existe a região da Paulista, há a Mojiana, que entra em Minas, depois de passar por Igarapava; a Araraquarense, em direção a São José do Rio Preto; a Sorocabana, pras bandas de Presidente Prudente; a Noroeste, até depois de Araçatuba e Andradina… Nomes herdados da força do trem, que marcava os caminhos de São Paulo. Hoje, não há meio de transporte capaz de conservar tamanha personalidade. Ou você já ouviu falar em “Alta Viação Cometa” ou “Média Varig”?

Pois foi numa reunião de prefeitos daquelas cidades que se ordenam pelo alfabeto que tudo aconteceu. Eles debatiam no auditório da prefeitura de Marília, uma forma de implorar ao governo o Estado a doação de algumas ambulâncias e um ou dois ônibus, para serem divididos entre os municípios. O café, maior riqueza da região, estava em decadência. O grande empregador definhava. Nas lavouras, a miséria expulsava a terceira geração de bóias-frias. Escória sem eira nem beira, sem referencial na cidade ou no campo, legião de miseráveis fabricados por desgovernos.

Perambulavam pelas estradas até dar na porta da primeira prefeitura que encontrassem, atrás de algum socorro que lhes prolongasse a vida. As ambulâncias serviriam para alguma emergência; os ônibus (tragédia!), para recolher gente já enlouquecida pela falta de perspectivas, rumo a asilos e sanatórios da região.

Pedro Sola, o legendário prefeito de Marília, me sussurrou: “A que ponto chegamos! Antes, a gente se reunia para pedir a construção de escolas, mais livros para a biblioteca municipal, verba para contratar professoras, para pavimentar estradas novas e estender a iluminação. Agora, dê uma olhada nisso! Não temos dinheiro para comprar uma ambulância nem um ônibus. E não são para equipar melhor o hospital ou transportar estudantes, não! É para socorrer doentes e carregar loucos desiludidos com a vida!” Pouco tempo depois, o querido “Pedrão” punha fim à própria vida, com um tiro na cabeça.

Quarta-feira, meu amigo Pedro Fávaro, felizmente sempre indignado, ligou para contar que prefeitos de várias cidades do Estado pedem (novamente) ao governo do Estado a construção de… cadeias em suas cidades! Na fachada, o argumento é o de que estão contribuindo para esvaziar os distritos policiais, superlotados. No fundo, uma tragédia humana, cada vez maior, que se abate sobre o País. Cadeia para um povo humilhado e sem oportunidades.

Será que viveremos para ver esses presídios abrigando os verdadeiros criminosos – os responsáveis por essa tragédia?

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