Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2010Crônicas

Culpados

Em apenas uma noite, Rodrigo, 37 anos, e a mulher Gabriela, 30, fumaram todas as pedras de crack que compraram ao vender uma moto Titã 2008, de 150 cilindradas. Para a viúva Fernanda, mãe dele, foi demais: tocou fogo na casa “para que eles não tenham nada mais a vender e comprar droga.”. Ela ainda pode ser presa e condenada a até seis anos por incêndio qualificado. Com eles não acontecerá nada. Foi na tarde do domingo que passou, na cidade de Guará. Gabriela fugiu com o filho do casal, de 11 anos.

Negociar a moto foi fácil: Rodrigo ligou para um traficante, preso na cadeia de Igarapava, que autorizou um comparsa solto a aceitar a troca da Titã pelas pedras. Com os responsáveis pelo presídio, que permitem a entrada de celular nas celas, também não acontecerá nada. No Brasil de artistas, ex-ministros (do Meio Ambiente e da Cultura do Lulla!) e deputados que defendem e fazem o marketing das drogas, para alegria e lucro dos bandidos, só a mãe dos viciados será punida. Ela nem sabe quem são os verdadeiros culpados pelos desatinos do filho e da nora. Mas é muito provável que não participe da próxima marcha da maconha.

A repórter limeirense Hélia Araújo, do caderno regional da Folha de S. Paulo, em Ribeirão, ouviu da mãe e do filho depoimentos assim pungentes: “Achei que queimando tudo, eles poderiam parar de usar droga e ver o mal que causam à nossa família.”. Marido e mulher são um símbolo de resistência física: usam crack há 13 anos. Já passaram cinco vezes por clínicas de recuperação, mas recaem.

“Não quero mais essa vida. Entendo o que minha mãe fez, porque estava desesperada. Tudo culpa minha e da minha mulher.”. Ao chegar à casa, na tarde de domingo, Fernanda e a nora discutiram.

“Já venderam de tudo da minha casa. Desde um aparelho de DVD a ventiladores, bicicletas e até a moto. E me agrediram durante a loucura da droga. Não aguentava mais.”. Ela não desistiu do filho, mas se ele não parar, dessa vez pode tomar uma medida mais drástica. “Posso até matá-lo. Amo meu filho, mas ver tudo que ele tem feito revolta.”.

Fernanda não se arrepende. “Perdi roupas, até documentos, mas eles também não têm mais nada. Espero que assim parem de se destruir.”. Afastado do trabalho, Rodrigo vive com a pensão da mãe e com R$ 750 do INSS. É com esse dinheiro (do povo) que ele pagou os tratamentos que não concluiu e compra as drogas que vai matá-lo ‘devagarinho’ com a mulher.

O drama da família poderá ser mais um capítulo do livro “Celas abertas, histórias de vida”, que a jovem Hélia escreve desde que saiu da faculdade do Isca, em Limeira. Certas autoridades não estão convidadas para a noite de autógrafos.

Pregado no poste: “E se o Ibope fizer pesquisa eleitoral nos presídios?”

 

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