Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2010Crônicas

O drible na vaca

Quase todos os “jogadores inesquecíveis” da Ponte Preta que aparecem na foto do Felipe Christi estavam lá. Mas o que me salvou a vida não aparece. Nem ele nem Nininho. Também faltou Carlito Roberto, aquele que só chutava o adversário “da correntinha pra baixo”. Como se vê, não era um jogador violento.

Só o Renato Otranto e o persistente Sérgio Rossi são capazes de dizer onde estão esses craques. A Ponte tinha um timão. Agora me lembro de Ayrton, vice-artilheiro do Campeonato Paulista de 1957, ao lado de Mazzola, os dois atrás do pai do Edinho. Ayrton também não estava lá. Ainda faltam naquela fotografia o zagueiro Derém, o goleiro Moacyr, Esnel, Pirani, Lindóia, Wilse, Nivaldo, Paulinho, Andu, Nino. Mas aparece Ciasca, o galã das pontepretanas (e de muitas bugrinas também).

Se você não viu aquele foto do Felipe, estão lá, perto do busto do Moysés Lucarelli, Lilo, Pitico, Carlinhos, Rovério, Salvador, Serafim, Ciasca, o grande Bibe, Baltazar, Oliveira e Bruninho.

Foi assim. No domingo, 16 de outubro de 1956, a Ponte ia jogar com seu eterno rival, o XV de Piracicaba. E o técnico Moacyr de Moraes levou aquele timaço para se concentrar no Hotel Floresta, da dona Amélia, em Sousas. O Rio Atibaia era o limite do quintal imenso daquele hotel, quase um bosque, onde vivia uma vaca que dava leite para o café da manhã dos hóspedes.

Depois do almoço de sábado, véspera da partida, os jogadores decidiram jogar tômbola – é como se chamava o bingo de antigamente, no tempo das cartelas, números marcados com grãos de feijão recolhido na despensa da dona Amélia. Este moleque que vos escreve circulava de mesa em mesa. Ficou na memória a voz fanhosa do Bibe bronqueando com o Bruninho, que jamais cantava uma pedra com os números de sua cartela. “Como você canta mal Bruno! Chacoalha esse saco!”.

Na segunda rodada, o Bibe estava animado, pronto para fazer uma “cinqüina”, preenchendo cinco múmeros sorteados. Foi aí que escorreguei da cadeira, me agarrei na toalha xadrez da mesa e fui pro chão, levando mesa, toalha e a cartela quase premiada do Bibe. “Garoto, você me fez perder o jogo bem na hora da ‘cinqüina’! Vai brincar lá fora, vai!”. Fui.

A caminho do quintal, envergonhado, passei pela sacada, onde o ponta-esquerda Adamastor marcava seus pontos e, ao mesmo tempo, pintava os dentes da miss Brasil Teresinha Morango, na capa da revista “O Cruzeiro”. Desci a escadaria e, exibindo verdadeira falta de juízo, fui brincar justamente com a vaca, que estava solta, passeando com seu bezerro. Lá dentro, Bruninho gritava: “Cabo (09), Dois patinhos na lagoa (22), Veado (24), Na cama (69)…”

De repente, a vaca partiu atrás de mim. Não sei como saltei a cerca do galinheiro, derrubei a parreira de uva, os pés de maracujá e fui parar na beira do Atibaia. Atrás de mim, com um pau na mão e a roupa toda rasgada, braços machucados, Adamastor berrava: “Eeeeiiiiia! Eeeeeiiiia!”. Como se nada tivesse acontecido, a vaca voltou tranqüila e ruminando para o caramanchão, seguida por seu bezerro. Dona Amélia veio correndo com um copo de água com açúcar e deu… para o Adamastor! “Coitado, ele ficou mais assustado do que você!”.

Pregado no poste: “A Ponte também não ganhou aquele jogo. Foi 1 X 1”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *