Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2002

Bandeirantes no shopping

O Guarani ganhou um terreno do povo de Campinas e fez nele seu centro de treinamento, bem ali, no começo do caminho para o arraial de Sousas. Agora, quer vender o terreno para um shopping. Pior, sonham com esse palácio de consumo em cima do berço da cidade, onde a comitiva de bandeirantes do Barreto Leme parou para descansar da viagem encomendada pelo morgado de Matheus. O nosso José Pedro Martins e o Antônio da Costa Santos estrilaram. Também vou.
É como trocar a Catedral da Sé por uma boate ou construir um bordel no Pátio do Colégio. Igual a demolir um teatro para abrir um estacionamento ou matar um alecrim para não “atrapalhar” as fotografias de turistas, como fizeram em Campinas. Agora, o pouso dos bandeirantes que marca nossas origens pode virar shopping.
Já imaginou aquele grupo de bandeirantes saindo da São Paulo de Piratininga, em busca do ouro pela Estrada dos Goiases, tendo de amarrar a tropa no estacionamento de um shopping center? O que diria nosso morgado?
“Ô Barreto… Eu te mando buscar ouro em Goiás e você me aparece com bijouteria? O que é esse negócio nas orelhas do pessoal? Estão ouvindo música?! E como ouvem o berrante chamando as mulas? Dei um par de botas para cada um e vocês me chegam aqui de chinelo? Raider? Como assim: ‘deram férias para os pés’? Você está dizendo que esse pó ‘lava mais branco’? Vocês são bandeirantes, mesmo, ou um bando de anjinhos? Bronzeador de pele… Cadê o óleo de baleia que eu trouxe de Lisboa? Perfume, Barreto? Isso lá é cheiro de homem? Como se chama isso? Xampu? E o que você traz nesse saco? Desodorante de esfregar no sovaco? Gilete? Creme de barbear… Ei! Onde está a barba dessa gente? Barreto, se a turma do governador Duarte da Costa, lá das capitanias do Nordeste, visse isso, ia dizer que vocês são todos uns boiolas, tá sabendo? Mais essa, agora! ‘Caubói de asfalto’: chapéu com lacinho, fivela na cinta, blusinha xadrez, botinha de bico fino com ponteira de metal…
O que você está comendo, Barreto? Como? Hambúrguer? Isso é carne amassada, seu bobo. O nome disso é ‘bife de véia’, de ‘véia’ porque elas não têm dentes pra mastigar. Na Itália falam que é porpeta esticada. O que é isso? Batata frita? Onde vocês enfiaram a mandioca, digo a farinha de mandioca que os índios deram pra vocês? Barreto, quanta porcaria! Queijo em copo, sopa em envelope, caju em garrafa, frango em saco, leite em caixa… Como a teta da vaca coube aí dentro? Água preta em lata? E aquela ali? Xixi em lata, também? O quê? Guaraná? Óculos escuros, Barreto? Como faz para enxergar o caminho? Tenda de pano grosso, com tanta árvore pro pessoal se abrigar! Agora, as ‘bonecas’ estão com medo de chuva?
Barreto, bota já esse tal de ‘shop’ no chão, funda a cidade que eu mandei e se manda pra Goiás. Que Beto Zini, Barreto? Quem manda aqui sou eu! Faz o que eu estou te mandando. Não, o campo de futebol pode deixar em pé, o marquês de Pombal deixou; ele também gosta do Guarani. Mas essa história de ‘shop’, aqui não! O Zé Pedro e o Toninho ameaçam contar tudo pro rei e a gente se ferra. Aqui queremos fazer uma cidade, a melhor do Brasil, se um tal de seo Pagano e uns vereadores que vão aparecer por aqui não acabarem com ela. Precisamos caprichar.
Espera aí, Barreto! O que é isso nesse envelopinho? Tripa de carneiro pra fazer lingüiça? Não!? ‘Camisinha’? E pra que serve isso? Tá bom. Então distribui pra todo mundo. Não quero ver índia reclamando que você é o pai da criança. Já pensou se os caciques descobrem? Escalpelam todo mundo e nós não fundamos Campinas.”
Pregado no poste: “O salário dos vereadores pode subir; não atrase o IPTU”

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