Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2004Crônicas

Ainda há ouro em Minas

Foi descoberta uma pepita preciosa em Caldas, ali pertinho de Poços. A jazida exibia centenas de páginas datilografadas, “cheia de emendas, de cortes, rabiscos e chamadas à tinta, mais parecendo um ninho de guachos que uma monografia histórica”, escreve no prefácio meu grande amigo e empresário Eduardo Diniz Junqueira, que decidiu patrocinar a obra, com a família Carvalho Dias, e organizada pela pesquisadora Marta Amato — todos garimpeiros do saber. Gente de uma estirpe em extinção.

No começo deste século, nascia em Caldas o brasileiro Reynaldo de Oliveira Pimenta, que estudou em Campinas e virou médico na Faculdade de Medicina da Praia Vermelha, Rio de Janeiro. Pegou o diploma e voltou correndo para a paisagem inigualável de montanhas alterosas que protegem seu chão. Ali viveu a vida de doutor, curando as gentes do lugar com a ajuda das águas medicinais, que só brotam naquelas minas mineiras. Enquanto curava o povo, estudava a saga dos ancestrais, desde os tempos da mineração, contando como a malícia da mineiridade conseguiu tirar de São Paulo aquela região, que um dia os paulistas sonharam suas. Quase um quarto de século após a morte do doutor Pimenta, seu filho, o engenheiro Carlos Reynaldo Toledo Pimenta, descobriu os estudos do pai, tudo naquelas “páginas cheias de emendas, de cortes, rabiscos…”. Está tudo lá. Até a frustração do Morgado de Matheus, que tentou conquistar a tiros a região de Poços de Caldas, para São Paulo.

Aquelas páginas são agora o livro “O povoamento do Planalto da Pedra Branca — Caldas e região”, com apoio cultural da Livraria Paraler, aqui de Ribeirão Preto. É um enredo de histórias, de curiosidades, de coragem e “de amor do autor por sua terra e por sua gente, envolvendo homens, plantas e bichos… da barriga da terra, o doutor diagnosticou: finda a era das minerações, se iniciou o ciclo pastoril da fazenda de criar”. Assim começaram as fazendas paulistas e mineiras. Você sabe porque mineiro gosta tanto de tutu, torresmo, lingüiça, pernil e carne de porco em vez de carne de boi? O segredo está contado lá.

Olhe só o que escreve o doutor Pimenta: “Tudo era na base da troca e do fiado (fiado — avô do consórcio). A famosa ‘honestidade dos antigos’ era, pois, uma necessidade econômica, sobrevinda de injunções sociais. O nosso honesto antepassado era honesto por força de circunstâncias: os negócios se faziam na base de crédito, derivado da confiança recíproca, base de toda a vida comercial, feita de trocas, de compras a prazo e de mercadorias deixadas em consignação. Os homens eram os mesmos. As condições de vida é que eram outras”.

Uma passagem saborosa: um mineiro rico e precavido (existe mineiro que não seja precavido?), sabendo que seria enterrado muito longe de sua fazenda, deixou em testamento meia oitava de ouro a todos os que acompanhassem seu enterro à distante Matriz de São Francisco de Paula, de quem era freguez “…

Essa pepita preciosa será lançada sábado que vem, às três da tarde, no Caldas Tênis Clube. Para quem gosta de enriquecer o conhecimento, é uma oportunidade mais valiosa do que meses em Serra Pelada. Afinal, ao morrer, os ricos de ouro fazem a festa dos herdeiros, mas a morte dos ricos de saber será sempre lamentada.

 

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