Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2007Crônicas

A Justiça farda mas não talha

“Finalmente, Viracopos deixará de ter o único restaurante do mundo com um aeroporto na porta”, diz o samba-enredo do consagrado jornalista patrício Roberto Godoy, filho desta casa e filho dileto de Campinas. Ligou todo pimpão (e olha que ele não é gordo…) para contar que em vinte anos o campo de pouso lavrado para receber aviões que combatiam a canalha getulista em 1932, vai receber R$ 1 bilhão e passar a atender 55 milhões de pessoas por ano. O jornalista Mário Erbolato costumava dizer que “o Beto é tão sensível que vê notícia até no olhar das pessoas vagando pelas ruas”.

Imagine você que esta de Viracopos ele descobriu ao desconfiar de uma perigosa perua que rodava lá pras bandas do Jardim São José, com alto-falante apregoando… pamonha. “Que pamonha… Tá louco!?” O perueiro avisava aos moradores das adjacências que a Infraero começou as obras para tornar o nosso aeroporto o maior terminal de carga da América Latina e de passageiros do Brasil. O fato estava enrustido: para não bagunçar o coreto, queriam dizer que é chegada a hora das desapropriações e que tudo será tratado caso a caso.

O campineiro Mário Moraes Filho deve estar realizado. Por mais de 30 anos escreveu milhares de cartas aos principais jornais e revistas do País em defesa de Viracopos. Seo Apostol Tako, dono do ‘único restaurante que tem um aeroporto na porta’ também não é esquecido nesta hora; o tenente Abolins, comandante pioneiro do destacamento dos bombeiros ali; a Paraguaia e suas meninas, que apostaram suas fichas no atendimento digno de aeroporto internacional e construíram o Jardim Itatinga; a Baiana, que fazia o melhor vatapá do mundo: aos domingos, depois das missas, Deus vinha almoçar em seu restaurante, na estrada; De Biasi e Waldemar Padovani, retratistas maiores da obra e do dia-a-dia de Viracopos; Afonso Celso, jornalista, que mantinha a coluna “Aeroporto”, cá no nosso “Correio Popular”; o delegado boa-praça Claudine Pascoeto, que facilitava a vida da imprensa em plena ditadura militar; o jornalista Luso Ventura, outro abnegado batalhador; o repórter Bob, do extinto Diário da Noite, primeiro a chegar ao local do acidente com o Comet-4 da Aerolíneas Argentinas, seu jornal foi o único a não notíciar – empolgado e traumatizado, não viu o tempo passar e perdeu a hora de mandar a notícia. Era 1961.

Nossa! Tanta gente! Sem falar no Roberto Godoy, maior conhecedor e admirador daquele campo de grandes reportagens: a chegada ao exílio dos ditadores portugueses Marcelo Caetano e Américo Tomás; do libertário da Revolução dos Cravos, general Antônio de Espínola, que libertou Portugal e foi expulso de lá por liberticidas comunistas; a cantora Dione Warwick, a maltratar uma menininha, também negra, que queria lhe dar um bouquet de flores; a Rosemeire Cholbi, com a Kelly no colo, confessando numa madrugada de 1973, enquanto Pelé não chegava com o Santos, que o ‘Rei’ não disputaria a Copa da Alemanha (furaço!); os trogloditas dos ditadores militares que se divertiam humilhando jornalistas – uma vez tiraram a escada que os repórteres arranjaram para subir ao telhado do saguão e fotografar o desembarque de um gorila de plantão no Planalto e sua comitiva; artistas, como Kim Novak e Johnny Mathis; milionários do jet-set, como Aristóteles Onassis, Antenor Patiño, Porfírio Rubirosa, Baby Pignatari, o príncipe Agá Kahn; o circo da Fórmula-1; craques da Seleção Brasileira; comandantes das grandes empresas aéreas, que viam em Viracopos o melhor lugar do mundo para um aeroporto (da Lua, se vê a pista) – “Aqui, pouso até de costas”, dizia um da legendária e extinta Panam…

Um dia, acabou-se o que era doce. Mas agora, Paulo Francis não diria que se sente no porão do aeroporto de Bogotá nem o Godoy definirá o restaurante como único do mundo com um aeroporto na porta. Só eu não falo nada, porque não ando em avião. Voar é com os pássaros e com os gênios.

Campinas é assim. O mundo gira, gira, gira e vem pra cá. A cidade onde estudou o Pai da Aviação merece o melhor aeroporto.

Pregado no poste: “E a cidade onde nasceu Carlos Gomes não merece o melhor teatro?”

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