Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

1997Crônicas

A bandeira do Capeta

Foi com muito nojo e vergonha de ser campineiro que li a edição daquela quinta-feira, dia 20, do nosso Correio Popular. Duas notícias que degradam a dignidade humana mancham a primeira página, mostrando uma perversa relação de causa e efeito entre elas. Prefiro não comentar nada, só relatar como um deboche cometido contra um povo leva esse mesmo povo a buscar soluções para seus dramas entre desclassificados:
“A lista dos aposentados e pensionistas da Câmara de Campinas, que terão direito a receber benefícios por conta do extinto convênio com o Instituto Previdenciário do Estado de São Paulo (Ipesp), contém casos vergonhosos, como o do ex-vereador José Rosa. Pertencente ao antigo Partido Republicano (PR), Rosa trabalhou apenas um dia como parlamentar. Apesar disso, terá direito de receber R$ 5 mil por mês, salário superior ao de um vereador da ativa, que é de R$ 4,5 mil. Rosa foi vereador por menos de quatro horas, no dia 21 de outubro de 1965. Substituindo o ex-vereador Luthero Caixeta Barbosa, participou só da segunda parte da sessão ordinária, conforme registrados nos arquivos da Câmara. … Procurado ontem, Rosa não foi encontrado. … No último dia 24 de fevereiro, o juiz da Sétima Vara Cível do Fórum de Campinas, Brasílio Penteado Castro Junior, determinou o pagamento de 84 ex-vereadores e pensionistas e incluir seus nomes na folha de pagamento do Legislativo. A Justiça de Campinas determinou, ainda, que outros 15 ex-vereadores e cinco atuais parlamentares – eles pagaram o instituto por menos de oito anos – sejam ressarcidos das contribuições. O grupo dos aposentados e pensionistas tem direito também de receber seis anos de vencimentos atrasados. Os atrasados somam R$ 6 milhões, podendo chegar a R$ 10 milhões. A inclusão na folha acarretará acréscimo de R$ 200 mil por mês aos cofres públicos.” Página 4, primeiro Caderno, seção de Polícia, digo, de Política.
“Capeta é aclamado herói em sepultamento. … Pouco mais de 24 horas depois de ter sido morto pela polícia, na condição de um dos marginais mais procurados da região de Campinas, Jonas Artur Gomes, de 21 anos, o Capeta, foi enterrado ontem como herói. Pelo menos para as 250 pessoas – a maioria moradores do Jardim São Marcos – que acompanharam o enterro, no Cemitério Nossa Senhora da Conceição. … Capeta foi sepultado aos gritos de ‘herói… herói…’. … ‘Agora, o crime vai rolar solto no bairro’, disse um jovem. Capeta era considerado uma espécie de justiceiro do São Marcos. Ivone de Oliveira Gomes, 36 anos, afirmou que o bairro ficará mais inseguro. ‘Ele não permitia que ninguém fizesse mal para nós’, afirmou. … Por volta das 11 horas, 18 policiais da Rotac entraram no Cemitério Nossa Senhora da Conceição, nos Amarais, para retirar uma pequena Bandeira Nacional de plástico, colocada sobre o corpo por amigos. Os policiais também arrancaram um cartaz pregado por amigos de Capeta na parede, onde o corpo era velado. O cartaz trazia frases de lamento pela morte do marginal.” Página 8, Caderno Cidades, seção de Política, digo de Polícia.
PS: Quando a população elege bandidos como heróis, é porque os eleitos pelo voto não estão atendendo as necessidades dela.

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