Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

1999Crônicas

Um passinho à frente…

Adeus borboletas, adeus cobradores. Chegaram as catracas eletrônicas. Vão trocar as borboletas pela célula fotoelétrica e os cobradores, por um cartão. Sou do tempo das jardineiras da Viação Bonavita, que nem borboleta tinham e os cobradores se contorciam entre os passageiros pendurados nos balaústres, com um maço de dinheiro entre dos dedos, para fazer o troco. Para facilitar a vida dos baixinhos, havia alças metálicas naquelas armações. Ao puxá-las, o passageiro se divertia com a sucessão de mensagens publicitárias: chocolates Falcchi, brilhantina Glostora, elixir Dória, pentes Flamengo, cerveja Malzbier…

Estamos avançando. No Japão, já testam carro sem motorista. Logo, logo, vão criar um mundo sem gente. O repórter Tonhão Fornazieri jurou pra mim domingo, que a tal de Transurc também jura não dispensar os cobradores nem trocá-los pelos cartões. Duvido. Falaram que jamais dispensariam as telefonistas quando veio a Discagem Direta à Distância. Experimente ligar para a Telesp e pedir que uma telefonista faça uma ligação para São Paulo. Vai chegar o dia em que ninguém precisará nem da Telesp para fazer um interurbano. Ideal seria não precisar dela para pagar a conta…

É inevitável. Devem proibir o fax para não desempregar os office-boys? A evolução da Internet vai acabar com os carteiros. Proibiram o bonde elétrico para não tirar o serviço dos burros? Para que guindastes, se existe o lombo do estivador? Mecanizar a agricultura? Jamais! Vamos conservar o exército de bóias-frias. Caixa eletrônico? Que nada, é melhor deixar os bancos apinhados de filas. Assim, quem sabe, espantam os assaltantes. Pensando bem, para que polícia, se o próprio Poder Público está cheio de bandidos? Vão acabar com o Judiciário e fazer justiça com as próprias mãos.

O cobrador de ônibus é uma figura da cidade. No assalto, é a primeira vítima do bandido. Quando não tem troco, é a primeira vítima do passageiro. Quando o ônibus quebra, é o primeiro que desce para ver o que aconteceu. Quando escapa de um acidente, é a primeira testemunha — do motorista. Quando não escapa, pode ser o primeiro a morrer. Quando o caixa dá errado no fim da jornada, é o primeiro a levar bronca do fiscal. É o primeiro a avisar que a porta de entrada ficou aberta — bate com uma moeda no balaústre, para alertar ao motorista. Se acabarem com ele, quem vai pagar o pato?

Num dia de chuva, o ônibus rangia na subida da Avenida Brigadeiro Luiz Antônio, em direção à Avenida Paulista. Todo mundo de mau humor por causa do aguaceiro e daquela lentidão. Uma senhora, toda molhada, perguntou da calçada: “Que ônibus é esse?” Ele respondeu, fingindo pompa e circunstância na voz empostada: “Mercedes Benz!” Aliviou o ambiente.

Fora um que outro dedo de prosa tão rápido quanto a viagem, o cobrador é um calado no ônibus. Enquanto todos andam de frente, ele é o único que anda de lado. Sua expressão mais conhecida vem quando o carro está lotado: “Um passinho à frente, por favor”, implora, para caber mais um que quer entrar, fazendo do ônibus um coração de mãe. De tanto pedir “um passinho à frente”, a população atendeu e evoluiu. Ele ficou para trás, trocando dinheiro, manobrando a borboleta, até perder o emprego. O cobrador virou cartão.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *