Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2004Crônicas

Último apelo

Este documento foi escrito por Santos Dumont, ex-aluno do nosso “Culto à Ciência”, nove dias antes de sua morte, a 23 de julho de 1932, e enviado a Aristides Oppermann. Henrique Oppermann, filho de Aristides, o encaminhou à nossa mestra Célia Farjallat.

É o desabafo de um angustiado homem de bem, desiludido com o uso que a canalha getulista fazia de seu invento para defender a ditadura.

“Meus patrícios:

Solicitado elos meus conterrâneos mineiros, moradores neste Estado, para subscrever uma mensagem que reivindica a ordem constitucional do país, não me é dado por motivo de moléstia, sair do refúgio a que forçadamente me acolhi, mas posso ainda por estas palavras escritas, afirmar-lhes, não só o meu inteiro aplauso, como também o apelo de quem, tendo sempre visado à glória de sua Pátria, dentro do progresso harmônico da humanidade, julga poder dirigir-se, em geral, a todos os seus patrícios, como um crente sincero, em que os problemas de ordem política e econômica, que ora se debatem, somente dentro da lei magna poderão ser resolvidos, de forma a conduzir a nossa Pátria à superior finalidade de sues altos destinos.

Viva o Brasil unido!

Santos Dumont.”

Três meses depois, tudo acabou.

Nada disso. Um ano depois, tudo começava. Forçado, o ditador nomeou Armando de Salles Oliveira interventor em São Paulo. Entre a segunda metade dos anos 20 até sua posse, quando deixou a presidência do Banco do Estado de São Paulo, Armando construíra 29 pequenas e médias hidrelétricas no interior paulista. A Revolução de 30, que São Paulo apoiara até cair a máscara de Vargas, prometia modernizar e industrializar o País. Derrubar a oligarquia dos barões e dos coronéis e dotar a Nação de uma legislação social e trabalhista mais justa também estavam entre as propostas. Nada se cumpriu, nem a Constituição, para garantir à sociedade o regime da lei. Veio a revolta.

Depois da derrota pelas armas, começava a vitória pela inteligência e competência de um povo acostumado a viver de costas para o poder e a empreender seu próprio destino pela força da liberdade da iniciativa particular – herança do espírito das ‘entradas’ que acompanhavam as ‘bandeiras’.

O único estado em condições de cumprir as promessas de 30 foi justamente o que se rebelara contra a prepotência. Afinal, como industrializar sem energia? As usinas estavam em São Paulo, a iniciativa particular estava em São Paulo, a geração de riqueza e de impostos estava em São Paulo e só São Paulo tinha condições de criar uma universidade que se equipararia às melhores da Europa – até então paradigma do mundo cultural.

Em 1934, com a nascente industrialização e a intensa imigração bancada pela iniciativa empresarial paulista, São Paulo fez da USP uma universidade e uma revanche, como analisa um de seus mais brilhantes reitores, o professor José Goldenberg. Para formá-la, Armando e seu cunhado, Júlio de Mesquita Filho, escolheram as melhores cabeças das artes e das ciências das melhores escolas superiores européias.

Tanta riqueza material, da iniciativa particular, e intelectual, gerada por uma comunidade universitária nascida sob o signo da volta por cima, fizeram de São Paulo um estado do qual, até hoje, todo o Brasil depende.

A origem da tecnologia mais avançada e diversificada da América Latina está naquela escola concebida há 70 anos para ganhar o Brasil, porque os homens contrários à Revolução Constitucionalista queriam perdê-lo – ou saquear sua riqueza só para uma casta alheia ao povo.

Pregado no poste: “Fora cambada!”

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