Sangue no pendão
Juro por Deus: o hino dessa República comemorada quarta-feira me martela as “orêia” desde o primeiro ano do Grupo. Mas nunca consegui entender a letra. A música do Leopoldo Miguez é bonita, mas a letra do Medeiros e Albuquerque… Mestres como Clélia Pires Barbosa, Carlos e Walter Zink, Lílian Nopper, Lídia Helwig, nossa Mariinha Mota Aguiar e Mário Scolari bem que tentaram.
É um ensaio para o samba do crioulo doido, como a própria república: nem Deodoro, tirado da cama, sabia que ia proclamá-la. Como se vê, o primeiro presidente já não sabia de nada — e o último imperador, também. Festejava na Ilha Fiscal enquanto os militares preparavam seu bota-fora.
O estribilho do hino até empolga: “Liberdade! Liberdade! / Abre as asas sobre nós / Das lutas na tempestade / Dá que ouçamos tua voz!” O que sempre ‘pega’ é esse último verso: “Já coçamos tua avó!”. Francamente!
A abertura é uma bósnia: “Seja um pálio de luz desdobrado / Sob a larga amplidão destes céus / Este canto rebel que o passado / Vem remir dos mais torpes labéus! / Seja um hino de glória que fale / De esperança, de um novo porvir! / Com visões de triunfos embale / Quem por ele lutando surgir!” Pálio, no Aurélio, é ‘capa’. “Capa de luz desdobrada?” Como? Rebel? Nem no Aurélio nem na Fiat. Remir? Tive uma tia com esse nome, que significa “adquirir de novo”. ‘Torpe’ é nojento, mas labéu? Desonra não é mais fácil? A letra chegava assim: “Este samba revela que o passado vai cair no mais forte bedel”. Alguém já viu um velho porvir? E um biscoito de porvir?…
‘Vamo nóis’: “Eia, pois, brasileiros avante! / Verdes louros colhamos louçãos! / Seja o nosso País triunfante, / Livre terra de livres irmãos!” Loução!? Louros louçãos? ‘Louros frescos’!? Nem com loção. A conspiração da República passou por Campinas — será que foi ela que inspirou esse verso?
E esta: “Se é mister que de peitos valentes, / Haja sangue em nosso pendão, / Sangue vivo do herói Tiradentes / Batizou este audaz pavilhão!” Puts! Cada vez que ouço “sangue em nosso pendão”, dá um frio na espinha, um estado de nervo! Ainda mais porque o Aurélio diz que pendão pode ser a “inflorescência masculina do milho”!
Já correu sangue no pendão do seu milho? Dói?
Pregado no poste: “Quem gosta da Humanidade é canibal”