Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2004Crônicas

Na cuia

Enquanto bandidos fingem torcer para Guarani e Ponte e se matam pela cidade, prefiro conversar com pessoas menos novas do que eu, para aprender. Como a ilustre campineira taubateana Maria Thereza Ramos Marcondes, mãe do Marsil. Tudo gente boa demais da conta. Ela é de Taubaté , como nosso fundador Barreto Leme e nossa querida Cely Campelo. Se são taubateanos, pode confiar. Honram Campinas. Dona Maria Thereza conta em seu livro “Tempo e Memória” mil causos, sempre com finais inesperados. Como este, de um jogo de futebol acontecido nos tempos em que João Paulo II era coroinha, e as torcidas se organizavam para torcer, não para matar:

“Eram todos trabalhadores braçais. A maioria ‘puxava’ a enxada a semana toda, e no domingo andava a pé algumas léguas para jogar futebol em outros bairros.

Dedé e Tonico, meus primos, também jogavam e sempre ficavam machucados. Os jogadores tinham pouca técnica, mas eram fortes como touros! Lembro-me de uma grande mágoa de que meu tio jamais se esqueceu. Foi assim: tio Zezé combinou um jogo com um colégio de Taubaté, do qual prefiro não dizer o nome. Os jogadores foram de caminhão para a fazenda e meu tio ofereceu-lhes um grande almoço, e um lanche depois do jogo.

Os visitantes perderam e voltaram mais mortos que vivos. Depois foi a revanche, que seria no campo do Esporte Clube Taubaté, que havia sido campeão do interior.

No domingo marcado, os pupilos do tio Zezé vieram logo cedo, uns a cavalo e outros a pé.

Havia uma taça para ser disputada, mas já estava com o nome do time da cidade gravado. Eles teriam de ganhar de qualquer jeito. Começado o jogo, no primeiro tempo a contagem estava favorável ao time da roça. Foi aí que fizeram a maior injustiça: puseram dois jogadores profissionais do Esporte Clube Taubaté, que eram: Savério Ardido (o melhor do time) e Ciro Pires (também dos melhores). Os dois entraram descansados e, mesmo assim, levaram muitas estocadas e foi duro ganhar. O time do colégio foi o vencedor, meu tio poderia ter reclamado, mas não quis criar ‘caso’.

Depois do jogo serviram, no próprio colégio, um lanche aos jogadores, que voltaram para a roça na mesma noite, pois todos teriam de trabalhar no dia seguinte. No caminho, alguns iam tristes com a derrota, enquanto outros estavam satisfeitos por terem tido a oportunidade de jogar em um estádio da cidade. Isso para eles valia muito, pois eram humildes caboclos. Foi quando alguém reclamou:

— Mas nós poderíamos ter ganho a taça.

Então, o Angelino, um dos jogadores, saiu com esta:

Mais pra que nóis qué taça? Nóis bebe bem água na cuia!

Pregado no poste: “Em torcida organizada tem político?”

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