Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

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“Leis que você pode não ter notado”

O inesquecível jurista João Batista Ramos, ministro do Trabalho no governo de JK, manteve durante anos e anos uma seção no jornal Folha de S. Paulo com esse nome: “Leis que você pode não ter notado”. Era muito útil para advogados, promotores e juízes, o tripé da Justiça, sempre perdidos no cipoal das leis brasileiras. In memorian, peço licença ao João para tomar emprestado o nome de sua coluna para dar título e tom a esta crônica. “A ninguém é dado o direito de ignorar a lei”, diz o bordão jurídico. Mas quem, nesta terra, tem paciência e capacidade para decorar o Diário Oficial? Como guardar tudo na cachola? Por isso, uma lei só se torna conhecida dos cidadãos quando polêmica. E o João pinçava, do dia a dia da legislação, leis importantes, que passavam despercebidas.

E assim, fuçando o “Diário Oficial da Câmara” e o “Diário Oficial do Senado”, dia desses, uma leitura chata, mas necessária, descobri duas leis aprovadas por aquelas duas egrégias Casas, das quais ninguém falou nada, mas representam um alívio brutal para o bolso do trabalhador, de cujo salário e suor é arrancado o que se paga todo mês aos nobres deputados federais e senadores.

São “nobres” justamente porque não representam o “povo”.

Como a Constituição manda que o que rege os vencimentos daqueles nobres também deve servir de cálculo para o povo sustentar os nobres deputados estaduais e os nobres vereadores, é bom que o povo fique sabendo. Acredito que nenhum daqueles nobres de Brasília perceberam o que aprovaram. Se não, não teriam aprovado.

Diz o seguinte: a partir da próxima legislatura, essa que será eleita a 4 de outubro, a remuneração de um senador fica reduzida de R$ 10.000,00 mensais (fora o por fora: mordomias, verbas disso e daquilo, moradias e viagens pagas pelo povo – aquelas migalhas, coitados) para R$ 260,00 ou dois salários mínimos vigentes. O ganho mensal de um deputado federal (e a conseqüente perda mensal de um trabalhador) cai de R$ 8 mil para R$ 195,00 ou um salário mínimo e meio. (Pelo menos quanto ao salário, povo e nobres passam a se eqüivaler.).

Como os vencimentos dos nobres estaduais e vereadores devem ser proporcionais, o “Diário Oficial da Assembléia” ratificou automaticamente a decisão de Brasília e, a partir do ano que vem, um parlamentar estadual deixa de ganhar R$ 6 mil por mês e passa a receber R$ 130,00 ou um salário mínimo. Conseqüentemente, os nobres vereadores, uma função de iniciante na carreira política, não ganharão nada, depois das eleições municipais do ano 2000. O cargo passa a ser considerado algo como “estágio não remunerado” na vida pública.

(Nada mais justo. Em Campinas, um vereador recebe hoje R$ 4.500,00 por mês. O Marco Antônio Quintas, assessor do seo Pagano, me informa que o IPTU médio cobrado da população é de R$ 324,00 por ano. Em sendo assim, é necessário arrancar o pagamento de IPTU de 14 casas de trabalhadores para sustentar um, apenas um!, vereador, todo mês. Para sustentar os 21, fora assessores e demais lantejoulas, é preciso o pagamento do IPTU de 3.486 casas por ano!!!!!!!!! Você viu, agora, onde seo Pagano é obrigado a enfiar o dinheiro do seu IPTU?)

Antes que muitos candidatos às próximas eleições tenham um piripaque motivado pela desilusão da perda daquelas boquinhas ou por não saber como vão pagar a conta da campanha depois, informo que a leitura dessas novas leis nos diários oficiais não passou de um sonho. Infelizmente, o pesadelo vai continuar.

Pregado no poste: “Já denunciou um traficante hoje?”

 

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