Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2000Crônicas

“Nicéas”

Aquela mulher entrou na redação do jornal, sentou-se à minha frente, abriu a bolsa e tirou o recorte de um anúncio classificado publicado na edição daquele mesmo dia. Mezzo 40, mezzo 50; não era bonita. Mas deve ter sido. Exibiu um sorriso de quem estava com tudo planejado para se vingar de alguém. O anúncio dizia: “Exames para a Faculdade de Direito de São Carlos. Não perca esta oportunidade. Facilitamos tudo. Para entrar na faculdade, ligue para o telefone tal…”.

“Isto é um grande trambique. Quem se inscreve neste cursinho de fachada entra num jogo de cartas marcadas. Paga três mil dólares, recebe todas as questões com as respostas prontas e passa.”.

Esse era o esquema. Uma repórter, acompanhada de um editor experiente, que se passava por seu pai, foi atrás do tal cursinho, “interessada” no que dizia o anúncio. Falaram direto com o dono. Um gravador escondido na bolsa da jornalista registrou todo o procedimento – e o pagamento. Quinze dias depois, ela e o “pai” estavam em São Carlos: ele, fingindo ansiedade de pai de vestibulanda; ela, pronta para as provas.

Um fotógrafo flagrou as placas dos carros dos outros “candidatos”, estacionados no pátio do prédio onde foi realizado o exame. Gente do País inteiro estava no esquema. Uma festa, quase um pic-nic da vigarice instituída. Nossa candidata “passou”, como “passaram” dezenas de outros cúmplices da trambicagem.

O jornal denunciou tudo, passo a passo pelos caminhos da fraude. Escândalo, “rigorosa comissão de inquérito”, sindicância, ameaças de prisão, discursos acalorados de políticos, Prêmio Esso para a repórter. Tudo como manda o figurino. Ninguém foi punido, porque estamos no Brasil.

Em meio ao turbilhão, aquela mulher mezzo 40, mezzo 50, me ligou para agradecer: “Estou contente por ver o nome daquele filho da mãe na lama. Agora, ele vai aprender que não se deve trair a esposa. Nunca!”. Ela era a mulher do dono do cursinho, trocada por uma candidata mezzo 20, mezzo 30.

Pregado no poste: “Onde se ganha o pão não se come a carne”.

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