Guerra encantada
Observação do repórter Rogério Verzignasse:
“Simulação do Exército leva 4,2 mil soldados para a pequena Analândia e encanta moradores.”
Em que tempo vivemos, companheiro Rogério! Tempos em que a guerra encanta! Sensibilidade: quantos garotos de Analândia já trocariam seus uniformes da escola e o campinho de futebol pela farda e por um campo de batalha no Iraque ou no Afeganistão, certos de que naquele cenário, só morre o “inimigo”. Deveriam estar encantados por verem que o que passa no ‘Jornal Nacional’ passa agora na porta de casa.
O ‘Repórter Esso’ não atraia crianças e a ‘testemunha ocular’ da nossa história era o oculista do Instituto Penido Burnier. O melhor momento de reportagens inesquecíveis acontece no interior, quando crianças observam os fatos. Sempre procurei olhar no olhar delas, para sentir a reação diante de fatos curiosos.
Eu vi (elas também):
O povo de uma cidade fez curso para andar de escada rolante no primeiro shopping da cidade.
A pacata Tupi Paulista inaugurar seu primeiro semáforo: moradores, orgulhosos, ficavam o dia todo na avenida, só para ver quem desobedecia. Um caminhoneiro avançou e partiram atrás dele. Parou, para não morrer, e se desculpou: “Nunca vi estrada de boiada com sinaleira…” Aí, sim, quase o mataram.
Uma quase corrutela ergueu seu primeiro edifício e o semanário local tascou na manchete, sobre a foto de alto a baixo do prédio: “Já ameaçamos sobrepujar o crescimento de Marília”
O voo pioneiro do Concorde pousou em Viracopos e um jornal todo pimpão: “Paris fica a seis horas de Campinas!” Alguém, gozador que só ele, perguntou ao secretário de redação: “Você não viu a radiofoto da ‘France Presse’ com a bandeira da Ponte na Torre Eiffel, para comemorar a façanha?”
Viracopos se esvaziou de vez, com a partida do último voo internacional, da Swissair. Outro jornal não deixou por menos: “A partir de hoje, Viracopos é o maior terminal de carga aérea do Hemisfério Sul”.
Os táxis em Vila Americana eram charretes e viajei nelas.
Fui engraxate na porta do Hotel Términus, em Rio Preto, até o dia em que a Eva Wilma percebeu que eu pedi para engraxar os sapatos dela só para ver suas pernas. Todo mundo riu com a bronca e ela, com raiva, saiu sem pagar…
Fui pipoqueiro nas Lojas Americanas de Bauru (para abrir o saquinho, soprava dentro e nenhum freguês achava ruim, até que meu pai, gerente da loja, viu e eu nunca mais fui pipoqueiro).
Fui bilheteiro em Lindóia, no jogo do Internacional do Bar do Mauro X Seleção de Lindóia (como veem, eu não servia nem para reserva do gandula).
Vendi jornal velho para o açougue do Seo Pires (pai do Cilinho e da Neide Ester), no Mercadão.
Carreguei fardos de papel higiênico e de Modess no depósito das Lojas Americanas. Nem por isso pedi salário adicional por trabalhar com “carga desonrosa”, como exigem estivadores por colocarem privadas e bidês no porão dos navios.
Pregado no poste: “Se o MST invadir a fazenda da Record, serão eliminados?”