Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2005Crônicas

Preconceito

Somos todos iguais. Diferentes são os preconceituosos.

Como cantava Elis os versos do César Roldão Vieira, “Morre o pobre, morre o rico, quero ver quem separa o pó do rico do meu.” E o auditório da TV Record trepidava a Rua da Consolação. Estertores de um Brasil digno.

Esta história, creio, o doutor Euríclydes de Jesus Zerbni nem o Adib Jatene sabiam. Pelo menos, eles nunca contaram para nós. Se todos já sabem, desculpem-me pela repetição, mas o preço da liberdade é a eterna vigilância. Aconteceu a partir de 1967, num dos países mais odiáveis e odiados à época, a África do Sul e sua minoria racista dominante. Quem descobriu foi a Regina Trinca, nova glória da televisão brasileira, orgulho da filha Inah e do marido Geraldo da Unibeb, aquele garoto-símbolo da raça ponte-pretana. Já nasceu com a camisa da Ponte, o coitado. (Inah, bem que você poderia ter dado uma camisa so Guarani para ele no Dia dos Pais, porque ter pai ponte-pretano e mãe bugrina — ainda bem — deve ser esquisito.).

Leia a que ponto cai a indignidade humana:

“Hamilton Naki, um sul-africano negro, de 78 anos, morreu no final de maio. A notícia não rendeu manchetes, mas a história dele é uma das mais extraordinárias do século 20. A revista ‘The Economist’ contou-a em seu obituário da semana passada. Naki era um grande cirurgião. Foi ele quem retirou do corpo da doadora o coração transplantado para o peito de Louis Washksanky, em dezembro de 1967, na cidade do Cabo, na África do Sul. Foi a primeira operação de transplante cardíaco humano bem-sucedida.

É um trabalho delicadíssimo. O coração doado tem de ser retirado e preservado com o máximo cuidado. Naki era talvez o segundo homem mais importante na equipe que fez o primeiro transplante cardíaco da história. Mas não podia aparecer, porque era negro no país do apartheid.

O cirurgião-chefe do grupo, o branco Christian Barnard, tornou-se uma celebridade instantânea. Mas Hamilton Naki não podia nem sair nas fotografias da equipe. Quando apareceu numa, por descuido, o hospital informou que era um faxineiro. Naki usava jaleco e máscara, mas jamais estudara medicina ou cirurgia.

Largou a escola aos 14 anos. Era jardineiro na Escola de Medicina da Cidade do Cabo. Mas aprendia depressa e era curioso. Tornou-se o faz-tudo na clínica cirúrgica da escola, onde os médicos brancos treinavam as técnicas de transplante em cães e porcos.

Começou limpando os chiqueiros. Aprendeu cirurgia assistindo experiências com animais. Tornou-se um cirurgião excepcional, a tal ponto que Barnard requisitou-o para sua equipe.

Era uma quebra das leis sul-africanas. Naki, negro, não podia operar pacientes nem tocar no sangue de brancos. Mas o hospital teve de abrir uma exceção para ele. Virou um cirurgião, mas clandestino. Era o melhor, dava aulas aos estudantes brancos, mas ganhava salário de técnico de laboratório, o máximo que o hospital podia pagar a um negro. Vivia num barraco sem luz elétrica nem água corrente, num gueto da periferia.

Depois que o ‘apartheid’ acabou, ganhou uma condecoração e um diploma de médico honorário. Ele nunca reclamou das injustiças que sofreu durante toda a vida. Este assunto foi matéria de quase todos os grandes jornais norte-americanos. Não se tem notícia de sua divulgação na imprensa brasileira. A versão em português foi extraída da página da Aliança Cooperativista Nacional — Unimed www.aliancaunimed.com.br. A foto do rosto de Naki foi obtida na página da Internet do ‘The Washington Post’, dos Estados Unidos, e a outra na do ‘The Age’, da Austrália.”

Pregado no poste: “Puts! A Ponte não ganha nem do Corinthians!”

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