Muito antes dos vândalos
São dez fotografias de quando Campinas era uma cidade. Em cada uma, o tema é o bonde, puxado por burros e elétrico, embora, creia!, tivéssemos bondes movidos a gasolina. Havia bondes com toalete a bordo e bagageiro! Esta cidade foi um delírio. Passeando pelas fotografias, percebe-se uma terra grande, espaçosa, sem filas nem aglomerados. Promiscuidade nenhuma. Éramos poucos, mas todos campineiros e forasteiros úteis, sempre bem-vindos. Tão poucos, que, diziam lá fora, não nos cumprimentávamos, para dar a impressão aos turistas de que a cidade era grande. E era.
As fotos vieram do Geraldo Trinca e os detalhes pelo Carlos Francisco de Paula Neto, o maior “bondólgo” do Brasil, que avisa aos interessados: “Algumas pertencem ao Allen Morrison, www.tramz.com/br/cp/cp.html”. Você também pode me mandar um e-mail, que eu envio as fotos.
Vamos ao acervo. Conta de Paula:
- “Mapa dos trajetos das 14 linhas. Completo, pois inclui até a famigerada tentativa do VLT, e a linha ligando Joaquim Egidio a Dr. Lacerda, que utilizava veículo com tração a gasolina e bitola de 0,60 m..” (Não falei?)
- Cia. Campineira Carris de Ferro. Preço da passagem: 200 réis. Roga-se aos senhores passageiros conservarem este bilhete até o fim da viagem. “O bilhete deve ser de cerca de 1900, quando os bondes ainda eram de tração animal.”.
- “A estação da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, com os bondes ainda a tração animal.”. Que foto! No relógio da Paulista, 10 da manhã. Cidade luminosa. Um homem atravessa a Praça Marechal Floriano de guarda-chuva. No fundo, guarda-sóis imensos protegem carroceiros e burros.
- Primeiro carro elétrico encomendado pela Companhia Campineira de Tração Luz e Força à J. G. Brill, USA. A fotografia não mostra o coletor de energia — aquela armação de ferro que deslizava pelo fio. É que esses carros eram fabricados e despachados ao cliente e cabia a ele instalar o tipo de coletor mais adequado.” É o bonde 9 (Botafogo), passando pela Rua Culto à Ciência. Um sobradão à esquerda, esplendoroso! Quem morava ali, será?
- “Em junho de 1912 foi inaugurada a nova linha, bitola de um metro, eletrificada com tensão de corrente contínua de 700V, independente da rede elétrica da cidade.”
- “Em 1930 a tração reformou e chegou a reconstruir em suas oficinas todos os carros da Brill em circulação na cidade. Em 1963, os bondes já estavam em mãos da Companhia Campineira de Transportes Coletivos”, comandada pelo mestre César Contessotto, e exibiam as cores da empresa.
- “Bonde da linha 14 (Boa Esperança), em seu ponto final, na redondeza da Fazenda Vila Brandina (hoje atrás do Shopping Iguatemi). Note o grande farol, herdado do extinto bonde de Cabras, linha desativada um ano antes. A parca iluminação dos trechos finais desta linha exigiam uma iluminação mais eficiente, uma vez que os faróis originais serviam mais para sinalizar do que iluminar.”
- “O bonde de Cabras, na estação da fazenda das Cabras. Ostenta a cor verde da Estrada de Ferro Sorocabana, empresa que tomou conta dessa linha a partir de 1952. Os carros eram da J. G. Brill, porém ligeiramente diferentes dos que circulavam na cidade. Esses carros foram trazidos de Belo Horizonte, aonde rodaram por vários anos.”
- Última viagem. “Infelizmente, não é possível identificar a que linha pertencia esse carro. Os carros 125, 129 e 132 foram salvos da destruição e hoje rodam, juntamente com outro, vindo de Piracicaba, no Parque Taquaral.”
- 10. “O nosso querido e saudoso bonde 9. No site do Colégio Culto à Ciência” há fotos dos bondes desta linha, apinhados com nossos colegas, incluindo fotos da festa de despedida da linha com a presença maciça do pessoal da escola.” Juro, quando abri esta foto, o bonde vinha da Saldanha Marinho e virava a Rua Culto à Ciência, em direção ao colégio. Uma lágrima caiu no estribo. Seo Vignatti, o cobrador, pousou a mão direita no meu ombro.
Malditos, o que fizeram com nossa cidade!
Pregado no poste: “Lulla, amanhã começa o mês de agosto!”