Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2001Crônicas

Amigo da onça

Há uns vinte anos não vou à praia. Contei os planos a um amigo, Caio Vinha, que me mandou esta mensagem:

“Pleno verão: pedágios; congestionamentos; bichos geográficos no pé; pouca roupa, muito chifre; pouca cintura, muita gordura; pouco trabalho, muita micose; picolé de groselha no palito reciclado; milho cozido na água da torneira; coco verde aberto pra comer a gosminha branca; prisão de ventre de uma semana; pé inchado que não entra no tênis. E a praia! Ah, que bela! Cachorros fazem cocô e crianças pegam pra colecionar. Casais jogam frescobol e acertam a bolinha na cabeça das véias. Jovens de jetski atropelam surfistas, que miram a prancha na cabeça dos banhistas. É Brasil, selva, Carnaval, tribo de índio canibal. Tudo nu, de pele vermelha.

É bom chegar cedo, antes do sorveteiro, quando o sol está fraco. É bonito ver famílias carregando vinte cadeiras, três geladeiras de isopor, cinco guarda-sóis, raquete, frango, farofa, toalha, bola, balde, chapéu e prancha, crentes que aquilo é férias. Logo estão instalados, besuntados, prontos pra enterrar a avó na areia. E as crianças? Que gracinha! Bebês choram de desidratação; as maiores se socam por uma conchinha, adolescentes ouvem walkman enquanto dormem. Mulheres também se divertem: buscam o filho afogado e caminham vinte quilômetros pra achar o outro pé do chinelo. Os homens têm a tarefa mais chata: furar um poço e lutar pra fincar o cabo do guarda-sol. É mais fácil achar petróleo. Mas nada disso conta perto da alegria, da felicidade, da maravilha que é entrar no mar! Aquela água tão cristalina — dá pra ver os cardumes de latinhas de cerveja no fundo. Aquela sensação de boiar na salmoura como pepino em conserva. Depois do belo banho, franzido cheio de sal, e franzida, de areia, dá aquela vontade de se fritar. Abrem a esteira velha, cheirando velório de bode, botam chapéu, óculos escuros e puxam o belo ronco. Isso é paz e amor, é o absurdo do calor.

Quando o sol parte, voltam pra casa, tomam banho e deixam o sabonete cheio de areia pro próximo. O xampu acaba e se lava a cabeça com qualquer coisa, de creme de barbear a desinfetante de privada. Toalhas fedendo a mofo, que só casa de praia oferece. Aí, a macarronada pra entupir o bucho e a soneca na rede, que dá um bom torcicolo. O dia acaba em uma rodada de tranca e uma briga em família. Todo mundo vai dormir bêbado, emburrado, babando na fronha e torcendo pra que na manhã seguinte faça aquele sol e todos se encontrem no mesmo inferno tropical.”

Pregado no poste: “Não vou mais.”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *