Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2002

Vozes do aquém – 1

“Chamada a cobrar; para aceitá-la, continue na linha, após a identificação.” “Após o sinal, diga seu nome e a cidade de onde está falando.” Mudou a mulher, mas a mensagem é a mesma. Não sei por que, depois de quase vinte anos, a Telesp trocou a dona da voz feminina de suas mensagens, aquela que se ouve sempre depois das oito notas musicais que identificam a chamada de quem não vai pagar a ligação. Liguei na sede daquela (ainda) estatal, mas eles se recusaram a me dar o nome da que saiu e o da que entrou. Era a voz anônima mais conhecida de São Paulo.
Nos aeroportos de nossas capitais, a (bela) voz é a mesma, também há mais de vinte anos – Íris Letieri, ex-jurada do Flávio Cavalcanti. Inconfundível, desejando a todos os passageiros “uma boa viagem”. Chico Anysio conta que inconfundível, mesmo, era a voz que anunciava a partida dos vôos da “Mata”, em sua Maranguape, lá no sertão do Ceará. Mata era a sinistra sigla da Maranguape Transportes Aéreos. Tão sinistra que a locutora do aeroporto local, em vez de anunciar, preconizava: “Senhores passageiros da Mata, compareçam para embarque e… adeus!”.
Vozes marcantes, que ficam para sempre, como a do querido e saudoso Geraldo Sussuline, no fim de cada seção do também querido e saudoso cine Windsor: “Atenção, atenção: pedimos aos senhores não acenderem seus cigarros aqui na platéia. A gerência agradece sua colaboração”. Lembra? Saudade do nosso “Sussuca”.
Na Estação da Paulista, a voz do plantão esportivo da Rádio Educadora era a mesma que anunciava a partida dos trens para São Paulo e “para o Interior”: grande José Célio de Andrade (Você vai bem?). Na rodoviária, outra marca radiofônica: Altair Amorim, narrador de noticiários da mesma PRC-9. Uma voz muito discreta, para evitar pânico e comoção, fez um apelo na fatídica tarde de 16 de setembro de 1951, no campo da Ponte, durante um jogo com o XV de Piracicaba: “Solicitamos aos senhores médicos presentes, que compareçam ao portão principal.”. Era a convocação, sem alarde, para que ajudassem no socorro às vítimas do desabamento do Cine Rinque. Quem ouviu e me conta esse lado da tragédia é o professor Eduardo Abramides: “A torcida só soube de tudo, depois do XV faturar a Ponte: 2X1.”. Perdeu a Ponte e perdeu a cidade, naquele domingo.
Muito tempo depois, o mesmo alto-falante foi comandado por outra voz famosa, a do radialista Pedro Azevedo. Ele anunciava a escalação das equipes, o trio de arbitragem, placar dos demais jogos, arrecadação, substituições e avisos importantes para a torcida.
Como era muito querido, Pedro sofria com as brincadeiras dos colegas de rádio. Numa tarde de Ponte X São Paulo, leu um recado: “Atenção senhor Ernani Matarazzo, compareça com urgência à secretaria para atender chamada telefônica.” Ernani era o representante da Federação Paulista de Futebol. Enrolou a súmula do jogo e foi correndo. Era trote. Outra vez, Pedro, distraído com a mensagem que lhe entregaram, cumpriu sua missão: “Atenção proprietário do Volkswagen branco estacionado à porta do estádio, queira retirá-lo daquele local”. Quase metade da platéia saiu para mudar o carro de lugar. Era outro trote: nosso Pedro nem percebeu que no recado não havia o número das placas do prosaico “Volkswagen branco”.
PS: Caro Pedro, não foi o Renato Otranto que lhe pregou esses trotes, mas foi o Renato que me contou a história. Acredite, se quiser.

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