Vingança do Renato
Com aval da Arlete Ioriati, aluna-símbolo da escola ‘João Lourenço Rodrigues’, conto como se dão certas coisas lá pelas Gerais. Peço um cuidado especial a toda a equipe de esportes da rádio ‘Jovem Pan’, acostumada a enaltecer as qualidades de seu solerte repórter Renato Otranto, atestando até que esse campineiro é uma das maiores cabeças da imprensa esportiva do Brasil e do Mundo.
Com a palavra a Arlete:
“Na cidade, havia um senhor de apelido Cabeçudo. Em sua boina, cabia o sino da Matriz. Pacato, bonachão e paciente. Só não gostava de ser chamado ‘Cabeçudo’, mas desde o grupo escolar, um chato não perdoava: um tabefe na cabeça e a pergunta: ‘Tudo bom, Cabeçudo?’. Todo dia santo, todo santo dia. Num santo dia, depois do zilhonésimo tabefe, Cabeçudo meteu a faca no zombeteiro. Matou na hora.
A família da vítima era rica; a do Cabeçudo, pobre. Nenhum advogado se atreveu a defender tamanha cabeça. Ainda mais diante de tantas testemunhas.
Último recurso: foram atrás de ‘Zé Caneado’, que há muito trocara a banca de advocacia pelos bancos dos bares da vida. Ele topou! Passou a semana anterior ao julgamento sem botar gota nenhuma de cachaça pra dentro. Tribunal instalado, Zé começou sua peroração assim:
— Meritíssimo juiz, honrado promotor, dignos membros do júri.
Repetiu:
— Meritíssimo juiz, honrado promotor, dignos membros do júri.
Insistiu , insistiu, insistiu até ser advertido pelo juiz:
— Peço ao advogado que, por favor, inicie a defesa.
Zé fingiu não ouvir e…
— Meritíssimo juiz, honrado promotor, dignos membros do júri.
O promotor estrilou:
— A defesa quer ridicularizar esta Corte!
O juiz bateu o martelinho na mesa:
— Advirto ao advogado que se não apresentar imediatamente seus argumentos…
Foi cortado por Zé Caneado, que repetiu:
— Meritíssimo juiz, honrado promotor, dignos membros do júri.
O juiz não agüentou:
— Moleque safado, bêbado irresponsável, pensa que a justiça é motivo de zombaria? Ponha-se daqui para fora, antes que eu mande prendê-lo.
Foi então que Zé Caneado disse:
— Senhoras e senhores jurados, a Corte chegou ao ponto em que eu queria…
Vejam: se apenas por repetir algumas vezes que o juiz é meritíssimo; o promotor, honrado, e os membros do júri, dignos, todos perdem a paciência, consideram-se ofendidos e me ameaçam de prisão…, pensem então na situação deste pobre homem, que durante quarenta anos, todos os dias da sua vida, foi chamado de Cabeçudo!
Cabeçudo foi absolvido e o Zé voltou a tomar suas cachaças em paz.
Pregado no poste: “Esquerda? Direita? Tudo depende da mão que tira. Então, ambidestro tira com as duas?”