Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2005Crônicas

Vergonha!

A cidade cresceu, mas não evoluiu. Não evoluiu porque os filhos da sua gente andam sem educação. Sem educação de berço, sem educação de escola. Essa ausência está formando uma geração de inúteis. E quem não serve para nada não serve para viver – só para matar.

Até trinta anos atrás, pelo menos, estudar era fundamental para a construção do futuro. Quem estudava – e havia condições para isso – servia de exemplo para os preguiçosos, indolentes, desestimulados. O adulto fracassado lamentava: “Não tive estudo…”. O êxito vinha aliado ao estudo. A formação de cada um, do velho grupo escolar à universidade, marcava o sucesso, a conduta, as oportunidades, o crescimento da comunidade, de seus cidadãos.

Inimaginável o desrespeito entre alunos e professores. Inconcebível o ataque de marginais a uma escola. E havia marginais – tinham essa qualificação porque, realmente, viviam à margem da sociedade. Hoje, estão misturados a ela. São vistos nos meios de comunicação, ditando modas estapafúrdias, nos órgãos de governo, nas escolas, nas campanhas políticas (pleiteando votos!) e muitos, como se vê, já estão no Poder!

Para que estudar, se exibir o corpo em passarelas do mundo rende rios de dinheiro? Para que estudar, se uma noite com a pessoa certa pode levar ao brilho dos palcos, da telinha, do telão, ao estrelato e ao status? Para que estudar, se driblar um craque na cama pode garantir o futuro? Para que estudar, se embrulhar pedras de craque e vendê-las por aí oferece existência confortável, apesar dos riscos? Riscos cada vez menores, nestes tempos de tolerância, impunidade e até de conivência.

Não faz muito, coisa de 25 anos, eu era repórter da Sucursal de Campinas do “Estadão” e recebi um telefonema indignado do editor-chefe, professor Oliveiros Ferreira: “É inacreditável! Vá até Casa Branca. Disseram que lá depredaram uma escola! Isso é um absurdo! Um escândalo! Que bandidos cometeram esse crime?!”.  Hoje, além do prédio das escolas, os alvos são seus estudantes.

Também não faz muito. Na última reunião de ex-alunos do Colégio “Culto à Ciência” a que o nosso ex-diretor Telêmaco Paioli Melges compareceu, ele nos contou uma história: “Vocês se lembram de como nos chamavam de autoritários, ditadores? Tudo porque no intervalo das aulas, mantínhamos os portões do colégio trancados com cadeados. E ninguém podia sair, mesmo.  Enquanto vocês estavam em classe, nós percorríamos as redondezas da escola, espantando um outro bandido que vadiava por ali tentando passar drogas para vocês. Já naquele tempo! Para não aguçar a curiosidade, jamais contamos os motivos.”. Rodeado por seus ex-alunos, o querido ‘Popof’ ouviu o mais sincero coro de “Muito obrigado!”.

Agora, o cenário é outro e a gente é outra. Uma professora do Jardim São Fernando alertou uma aluna: “Se não estudar, você vai repetir de ano…”. A resposta foi uma ameaça: “Meu pai é o maior traficante do bairro. Se eu repetir de ano, ele vem aqui, mata você e mata todo mundo!”. E com que orgulho ela se referia ao pai como “maior traficante do bairro”!

Outro exemplo que não me sai da memória. Estava no mesmo Culto à Ciência, já repórter, entrevistando o doutor Telêmaco, quando um aluno e uma professora entraram na Diretoria para combinar uma festa. O aluno saiu logo depois de tudo acertado e o diretor pediu que a mestra ficasse na sala. Ela ouviu uma bronca: “Professora! O que eu ouvi aqui é imperdoável. Que isso não se repita! Jamais um aluno pode tratar um professor por ‘Você’. Entendeu?”. A tragédia estava começando.

A tragédia da escola Vida Nova é a tragédia de Campinas. A cidade está deixando de gostar de si mesma, perdeu o amor próprio, já está se matando.

Pregado no poste: “O Congresso é uma instituição cheia de ninguém”

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