Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

1998Crônicas

Um lugar ao sol

A cidade está lotada:

Não há vagas nas escolas.

Não há vagas nos presídios.

Não há vagas nos hospitais.

Não há vagas nos ônibus.

Não há vagas nas boléias.

Não há vagas nos palcos.

Não há vagas nas platéias.

Não há vagas nos palanques.

Não há vagas para o afago.

Não há vagas para quem cumpre.

Não há vagas no mercado de trabalho.

Não há vagas nas universidades.

Não há vagas nos albergues.

Não há vagas num abraço.

Não há vagas para médicos.

Não há vagas para professores.

Não há vagas nos velórios.

Não há vagas nos cemitérios.

Não há vagas para as árvores.

Não há vagas nos jardins.

Não há vagas na sombra.

Não há vagas para artistas.

Não há vagas no coral.

Não há vagas para filósofos.

Não há vagas para poetas.

Não há vagas nos manicômios.

Não há vagas nas maternidades.

Não há vagas na Cohab.

Não há vagas nos banheiros.

Não há vagas nos barracos.

Não há vagas nas mansões.

Não há vagas nos botecos.

Não há vagas nos prostíbulos.

Não há vagas nos caixas.

Não há vagas nos cativeiros.

Não há vagas para o almoço.

Não há vagas nos estacionamentos.

Não há vagas para aposentados.

Não há vagas na produção.

Não há vagas nos guichês.

Não há vagas nas salas de espera.

Não há vagas nos balcões.

Não há vagas nos motéis.

Não há vagas no banco dos réus.

Não há vagas para negros.

Não há vagas para doentes.

Não há vagas para as feias.

Não há vagas para deficientes.

Não há vagas para aidéticos.

Não há vagas nos chats.

Não há vagas para os generosos.

Não há vagas para os sábios.

Não há vagas no campo.

Não há vagas para quem trabalha.

Não há vagas para honestos.

Não há vagas para perguntas.

Não há vagas para respostas.

Não há vagas para maiores de 35.

Não há vagas para menores de 35.

Não há vagas na enxada.

Só há vagas para as máquinas.

Só há vagas para traficantes.

Só há vagas para funcionários fantasmas.

Só há vagas para afilhados de políticos.

Só há vagas para corruptos.

Só há vagas para bandidos.

Só há vagas para bajuladores.

Só há vagas para ladrões.

Só há vagas para vagabundos.

Só há vagas para os bruxos.

Só há vagas para os covardes.

Só há vagas para os egoístas.

Só há vagas para sonegadores.

Só há vagas para charlatães.

Só há vagas para falsos pastores.

Só há vagas para ratos.

Só há vagas para profetas do passado.

Só há vagas para os que só prometem.

Só há vagas nas passarelas.

Só há vagas nos pelotões.

Só há vagas para chorar.

Só há vagas para seqüestradores.

Só há vagas para a violência.

Só há vagas para a saudade.

Só há vagas para a solidão.

Não haverá vagas para a solidariedade.

Não haverá vagas para namorar.

Não haverá vagas no coração.

Não haverá vagas para a alegria.

Não haverá vagas para o sorriso.

Não haverá vagas para o beijo.

Não haverá vagas na consciência.

Não haverá vagas na alma.

Não haverá vagas para a dignidade.

Não haverá vagas na comunhão.

Não haverá vagas para o pão.

Não haverá vagas para a esperança.

Não haverá vagas no futuro.

Não haverá vagas nas sarjetas.

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