Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

1998Crônicas

Um bonde chamado “coragem”

De minha parte, esta humilde crônica teria o nome de “Um bonde chamado desejo”, mas o Tenessee Williams não iria gostar. Aí, meu irmão Beto Godoy foi se lembrar da maria-mole com goiabada do Furazóio e a história mudou de rumo. Tudo começou quando a repórter Danielle Milarski (aquela que tem um pé na Polônia e outro aqui) descobriu que a Petrobrás e a turma do seo Pagano decidiram ressuscitar a garagem dos bondões verdes, lá em Joaquim Egydio. A Regina Santo Mauro, do Caderno “Cidades”, ligou para contar. (Todo mundo deu palpite nesta crônica.).

Os bondões verdes voltaram a circular na mesma hora em minha cabeça, embora seu trajeto já se estivesse apagando. Disse à Regina, que sugeriu a crônica, que pra valer, mesmo, a estatal do petróleo e o seo Pagano deveriam ressuscitar aquela linha, pelo menos aquela, a mais longa, bucólica e aventureira de todas. Mas essas lembranças ficam para amanhã.

Você andou de bondão verde? Eles vieram de San Francisco, na Califórnia, para ligar esta terra aos seus distritos de Sousas e Joaquim Egydio, berços de dom Agnello Rossi, do monsenhor Salim (pais da Pucc) e refúgio do J. Toledo, do Mário Evangelista e de muitos campineiros foragidos da metrópole. Sartaram de banda.

Liguei para o Beto, a fim de reviver o trajeto e ele contou tudo. Fala Betão:

— Você não se lembra? A linha começava ali atrás do Jóquei, na Sacramento, perto da estátua. Pegava a Orosimbo Maia, a Paula Bueno, a Avenida Nossa Senhora de Fátima e ia pro Furazóio; hoje, chamam ali de Jardim Boa Esperança. O trajeto era mais ou menos o mesmo do bonde “4”, do Taquaral, até a Nossa Senhora de Fátima. Depois, os trilhos passavam onde agora é o Shopping Galeria e acabavam atrás do Condomínio… Condomínio… Espera um pouco… Lígia, qual o nome do bairro do Mário? Condomínio São Conrado. Ali, quem ia para Joaquim Egydio pegava o bonde verde. Lembra, agora? Lá, nessa estação que o prefeito quer restaurar, o bonde “girava” em cima de uma roda de ferro, cremalheira, né?, e voltava para Sousas. Era uma curtição essa “viradinha” do bonde em cima da roda…

— Puts! Você foi lembrar do Furazóio…

— Lugar barra-pesada, naquele tempo! A molecada com uniforme do Ateneu era visada. Prova de coragem era ir até o Furazóio e voltar. Para provar que foi até lá, o garoto tinha de comprar a maria-mole recheada com goiabada, vendida pelo “seo Sabonete”, e trazer pra todo mundo ver. Ir à noite, então, era o máximo da valentia! Coitados! O motorneiro e o cobrador até abaixavam a cabeça, para escapar das pedradas! Agora, eu não me esqueço, mesmo, é da noite em que eu fui assistir “A volta ao mundo em 80 dias”, no Cine São José, ali no Taquaral. Chovia pra ca…cete. E eu peguei o bonde errado. Entrei no de Sousas. Quando vi, já estava no Furazóio, meu! O cobrador abaixou todas as cortininhas do bonde, pra gente não se molhar. Mas valeu. Foi por causa dessas “provas de coragem”, daqueles bondes e do uniforme marcado do Ateneu, que eu tive de aprender a brigar.

—  Betão, como era o uniforme do Ateneu, mesmo?

— Argh! Calça xadrez miudinho “pied-poule”, meias três quartos, camisa branca, gravata vermelha, blazer azul-marinho e sapatos pretos com sola de borracha, só que não podia ser da Vulcabrás…

— Uniforme de “Mauricinho”, né Beto?

— “Mauricinho” é sua vó!

Pregado no poste: “Já achou o bonde da história?”

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