Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2004Crônicas

Última carta

E agora, padre?

Mestre Rubem Alves recebeu terça-feira uma cartinha deliciosa, bonita, em letras miúdas, perfeitas, redondinhas – de alguém que está gostando do que faz, acreditando na mensagem, interessada na vida dos semelhantes. É de dona Dina, que aniversaria hoje. Mais de oitenta, parece.

Nunca conversei com dona Dina. Certa vez, em outra carta, ela falava de mim com o nosso Rubem. Então, aquela santa que mora em aqui em casa sugeriu que, como anda impossível ir a Campinas, mandássemos flores a essa querida senhora. Assim foi feito. E nunca mais tivemos notícia dela. Estou chateado, padre. Sempre gostei demais de conversar com pessoas idosas.            Quanto mais velhas, melhor. Melhor a conversa, melhores as pessoas. O que se aprende é uma riqueza – anos de experiência e de lição de vida ganhos em minutos. É a melhor companhia. É a história vista por olhos nos quais todos podemos confiar – como as crianças, os velhinhos não sabem – nem precisam – dissimular. Eles e elas não têm nada a perder. Devem ser as fases mais sinceras e puras da vida de cada ser humano. Mas esses assuntos da alma e da mente são para o Rubem Alves. E para os padres. Não todos, claro.

Agora, nessa carta de terça-feira, ela pede ao nosso professor de sensibilidade… Padre, vamos ler a dona Dina? Faz bem para a alma, padre!

“Rubem

Se você se comunicar com o Moacyr Castro, diga a ele que se eu não fosse azilada, iria comprar uma muda bem linda de Alecrim. Iria, na calada da noite, levar o necessário para plantá-la no lugar do que cortaram. Ele tem saudades do Alecrim. Sempre prende no poste, cobrando o padre que plante outro no lugar. Água mole em pedra dura tanto bate que um dia fura. Diga a ele (para) pendurar sempre, até que surja o tão saudoso Alecrim. Ele e Dona Tereza me mandaram flores que eu as amei. Talvez um dia, surja esse Alecrim, por milagre de Deus. Minha mãe dizia: ‘Muitos améns, ao Céu, vão.’. Agradeço de coração as flores que mandaram.

Obrigada.

Dina sempre.

Pregado no poste: Padre, plante um Alecrim para o Moacyr Castro, e Deus o abençoará; plante-o logo, antes que o Moacyr se zangue.”

Padre, na manhã de quarta-feira, dona Dina morreu.

Pregado no poste: “E agora, padre Karam?”

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