Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2005Crônicas

Três córregos e um destino

(Antes, esta mensagem que recebi do Romerto Zammataro e assino embaixo, em cima, dos lados: “Por quê será? Vive-se seguramente uma das piores crises políticas de que se tem notícia na história brasileira e, paradoxo, verifica-se o silêncio quase absoluto das chamadas forças e vozes que se autodenominam de progressistas. Cadê as centrais sindicais, as entidades de classe, os artistas e intelectuais, cantados em verso e prosa como paladinos da moral e dos bons costumes, que sempre estiveram na vanguarda, agindo como as consciências nacionais? Cadê? Por que não se manifestam, não gritam palavras de ordem, não fazem abaixo-assinados contra o descalabro que toma conta do Poder? Cadê o Fagundes, o Chico, o Frei Beto, a CUT, as Ongs? Por que se calam nesse momento tão crítico? Covardia ou conivência? Por que não estão nas tribunas, nas praças, nos palcos, denunciando os males feitos e exigindo mudanças? Por que será?)”. Digo eu: porque são políticos brasileiros.

Minha senhora, se já passou dos 55, saiba que um dia nesta vida campineira de passear pela Treze de Maio, Barão de Jaguará e Anchieta, suas belas pernas foram vistas por um bando de marmanjos corajosos, mergulhados em aventuras inacreditáveis.

Naqueles tempos, Campinas era uma cidade: limpa, querida por seus moradores daqui e de fora, admirada pelos visitantes e bem cuidada pelas autoridades, das eleitas ou não, mas todas competentes, honestas e respeitadas. Dada a limpeza do percurso e a criatividade dos aventureiros, foram passeios deliciosos.

Pelo menos três córregos estavam canalizados. Um escorre desde o chafariz da Estação da Paulista, vem pela Avenida Senador Saraiva, cruza a Treze, passa debaixo de onde depois construíram o supermercado Eldorado e desemboca na valeta, que divide até hoje a Avenida Orosimbo Maia (Se seo Orosimbo visse!).  Outro córrego deve começar lá pelo Largo do Pará, pega a Barão de Jaguará, Igreja do Carmo, Rua do Sacramento, vara a Barreto Leme e também cai na valeta (Durante muito tempo chamada de “Rio Senna do Dr. Mendonça”.). E o terceiro passa sob a Rua D. Libânia, Avenida Anchieta e… valeta!

Quem andar nas margens da valeta, pela Orosimbo, e olhar dentro dela, ainda verá os ‘bocões’ que trazem os córregos. “A água vem com força ali, uns 40 por hora!”. Palavra de Luís Carlos Rossi, um dos ilustres aventureiros. Maninho e Cadão Ceconi, Lineu Henriques, Siegfried Stotzer, Julião e Nenê eram os outros. O desafio: entrar pelado por um dos ‘bocões’ e caminhar contra a corrente até onde desse. Um ficava segurando as roupas e sapatos dos outros. Para a iluminar o passeio, as velas compradas no bar do seo Chico Oreiudo, na Rua José Paulino, eram colocadas nos buracos escavados nas paredes dos ‘bocões’. “Duro, mesmo, era não escorregar. Por isso, chamavam o fundo do canal de ‘rala-bunda’; mas a bunda não doía tanto assim, porque era tudo limbo…”.

Vá fazer esse passeio hoje. Nossas ‘otoridades’ cuidam com tanto carinho da cidade, que você não só morre como fica envenenado para o resto da morte…

Ele jura que a água era limpinha e nenhum esgoto chegava à valeta. O caminho favorito, porém, era o que seguia até a Estação da Paulista. “Na esquina da Treze com a Senador Saraiva, embaixo do poste do semáforo, tinha uma abertura e por ela, a gente ficava ali horas, vendo as pernas das mulheres que atravessavam a avenida. Usavam uns vestidões naquele tempo! Já pensou se já existisse a minissaia? A excitação era tanta que, na hora ‘H’, um sempre caía deitado na correnteza…”

Aventura só possível com tempo bom. Em dia de chuva, a força da água arrastava todo mundo. “Um garoto morreu ali. A tragédia preocupou tanto o seo Túlio Pavanello e a dona Gilda, pais da Lúcia, ex-secretária do Ateneu, e do Tulinho, engenheiro, que moravam na Orosimbo, que ele passou a vigiar a valeta. Um dia, pegou todos nós com as calças na mão.”.

Pregado no poste: “O Roberto Jefferson sabe quem matou o Toninho e o Celso Daniel?”

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