Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2001Crônicas

Tipo faceiro

Lembra de quando chamavam pasta de dente de “dentifrício” e computador,  de “cérebro eletrônico” ? Carro era “automóvel”; laxante, “purgante”; toca-discos, “vitrola”; TV, “televisor”; rádio, jornal e televisão viraram “mídia”; pão com carne moída, agora, é “hambúrguer” e o queijo, “cheese”, às vezes só “X”. Sapato esporte é “mocassin” e chinelo, “meu Rider”. O frango frito, coitado, teve seu tempo de “passarinho” e logo se tornou “chicken in”. Moderno é chamar congelador de “freezer”, calça rancheira de “jeans” e abrigo de “jogging”. A dona-de-casa ia à loja Coteninga comprar uma “fazenda” — poucos falavam “tecido”.

Imagine se hoje, a Renault anunciasse assim seu modelo 1997: “Andando à vontade tanto nas cidades como nas más estradas, ele é o utensílio em que se tem confiança. Com este automóvel infatigável, V. S. viverá sem apoquentações” (!!!). Mas era assim que a montadora francesa lançava seu sedan 1952… Carro, minha gente, era utensílio !

Veja este anúncio da loção de barba Aqua Velva: “Elas preferem os homens bem apessoados. Cavalheiros de distinção em todo o mundo dizem que Aqua Velva ajuda a proteger o rosto, conservando os óleos naturais da pele. Por isso, as mulheres admiram o homem que a usa. Você gostará também do seu distinto aroma e revigorante frescor”.

Você, que tem carro, um dia já foi chamado de “automobilista” num anúncio da Esso de 1955: “Produzida para oferecer a qualquer carro uma nova vida; carros antigos funcionarão como novos e carros novos funcionarão como nunca, porque Esso Extra Força Total é a mais poderosa gasolina premium no país… A primeira em vendas entre os automobilistas que sabem quanto valem seu automóvel”.

Olha a Champion vendendo pulseira de relógio: “As pessoas de gosto exigente escolhem suas pulseiras de relógio com o mesmo escrúpulo com que escolhem o relógio”.

A General Eletric, a GE do Thomas Edison, que fabrica lâmpadas, faz hidrelétricas, turbinas, dizem que agora vai fabricar fogões, anunciava para quem quisesse comprar, “locomotivas elétricas”. Assim: “Gente e riquezas do Brasil estão usufruindo as vantagens de um transporte mais rápido e seguro fornecido pelas modernas locomotivas da Paulista e da Central do Brasil. A GE, fornecendo essas locomotivas, orgulha-se de estar contribuindo para a diminuição das distâncias entre os Estados e para a maior circulação da riqueza nacional.” Aí, vieram as rodovias pressionadas pelas montadoras e o trem partiu para sempre.

No tempo da caneta-tinteiro, a Esterbrook alardeava seu produto. Era 1952: “Escreva o que escrever e como escrever. V.Sa. há de encontrar sempre uma pena Esterbrook expressamente talhada para sua caligrafia pessoal. Para escrever com o maior à vontade possível, escolha sua pena ao balcão da papelaria, e em seguida aparafuse-a com sua própria mão na caneta-tinteiro Esterbrook”. Viu? O consumidor era chamado de “Vossa Senhoria” !

Contra gripes e resfriados a mensagem era esta: “V. Sa. consegue deveras alívio rápido para o tormento do seu resfriado da cabeça, quando põe algumas gotas de Vatronol em cada narina. Sua medicação suavizante e desopilante acalma rapidamente a irritação, desprende os mucos tenazes (!), desentope o nariz entupido e lhe permite voltar a… r-e-s-p-i-r-a-r”. Vatronol era do mesmo fabricante do Vick Vaporub. Hoje, basta dizer “esfregue e pronto”.

Nos bondes de São Paulo, um anúncio ficou famoso: “Veja, ilustre passageiro, que belo tipo faceiro, o senhor tem ao seu lado. No entanto, acredite, quase morreu de bronquite, o coitado; salvou-o o Rum Cresosotado.” Você tomaria, hoje, uma bebida que se chamasse “Rum Creosotado” ? Compraria um micro da “Indústria de Computadores Cruz das Almas” ? Ou uma calça de jeans, que seja, da “Tecelagem Monte das Oliveiras” ? Perderia tempo em ler uma propaganda da “Cerveja Via Sacra” ?

As pessoas tinham tempo para ler, ver e ouvir propagandas. Daí, os textos elaborados, extensos, de linguagem rebuscada, “respeitosa”, para convencer o “freguês”.  Esse velho “freguês” virou “consumidor” e no lugar da antiga “caderneta” entraram o cartão de crédito e o cheque pré-datado. Agora, basta escrever algumas palavras curtas, e você saberá do que estou falando. Quer ver? É isso aí; a número um; é melhor e não faz mal; preferência nacional; graaande cerveja; a dor sumiu; férias para seus pés; dá brilho à brancura; plim-plim; êta cafezinho bom; raro prazer…

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