Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2004Crônicas

Tertuliano

Na falta do que fazer, já espinafram as cartilhas de antanho. Li outro dia que elas “exacerbam o processo mecânico de alfabetização”. Sei lá o que é isso. Miram até na coitada da pata, a pata mais famosa das crianças de ontem, a célebre “A pata nada – pata – pa – nada – na”. (Não estou falando da Margarida nem da Vovó Danalda.) Você se lembra da cartilha da professora Benedicta Stahl Sodré? E da do professor Thomás Galhardo? Será que a pobre pata vai pagar o pato pelo estado deplorável em que se encontra o mundo dos adultos que, quando crianças, nadaram com aquela pata na Cartilha Sodré?

Estou atrás dessas preciosidades e ainda não achei nenhuma. “Caminho Suave também serve!”, implorei para o dono de um sebo. Que nada. Nem numa biblioteca municipal. Tudo porque um amigo que não conheço, seo Antônio (perdão, amigo, seu sobrenome apagou-se da tela) perguntou se eu me lembrava de um poema do Arthur Azevedo, o “Tertuliano”, freqüentador assíduo de dez entre dez cartilhas de meados do século passado. Como esquecer? No incomparável Colégio Rio Branco, mestra Lídia Helwig nos obrigou a decorar, para jamais sermos “Tertulianos” na vida, vergonha máxima para qualquer ser humano. Cada vez que o “Tertuliano” de ontem me vem à memória, me lembro de políticos de hoje.

Além do “Tertuliano”, havia lições espetaculares. Esta, acho que é do Olavo Bilac e sai em pedaços da lembrança: “Tal como a chuva caída fecunda a terra no estio/ Para fecundar a vida, o trabalho se inventou/ Feliz quem pode, orgulhoso, dizer: ‘Nunca fui vadio!’/ E se hoje sou venturoso, devo ao trabalho o que sou!”.

Se você ainda não conhece, veja se não está cheio de “Tertulianos” por aí (também são fragmentos): “Tertuliano, frívolo e peralta/ Que foi um paspalhão desde fedelho/ Sempre incapaz de ouvir um bom conselho/ Tipo que morto não faria falta/ Deixando certo dia de andar à malta/ E indo à casa do pai, honrado velho/ Estando em frente ao espelho/ Disse: ‘Tertuliano, és um rapaz bonito, és jovem, és talentoso./ Que mais no mundo se te faz preciso?’ E o pai, sisudo, que por trás da cortina ouvira tudo,/ Severamente respondeu: ‘Juízo!’”

Pregado no poste: “Político gosta de festa junina porque tem quadrilha?”

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