Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2002

Tem roupa para menina feita?

Você conhece Itanhanguã? Nem eu. Mas a dona Wilma Loureiro Braga conhece. Foi ela que nasceu lá. Gente fina, a dona Wilma. No mapa, não está. Ainda bem: deve ser um paraíso perdido, pelas histórias que ela conta da sua Itanhanguã, ou só “Nhanguã”, para os íntimos. No guia rodoviário da revista Quatro Rodas, o que existe de mais parecido é Nhecolândia (meu Deus do Céu!), que fica aqui em Mato Grosso do Sul, e Itanhandu, nas Minas Gerais. Na lista dos mais de cinco mil municípios brasileiros, do IBGE, nada dessa “Pasárgada”.
Dona Wilma mora em Campinas, veio de lá, fala de Itanhanguã, mas não conta onde fica, na carta que me mandou. Na língua tupi, é uma “pedra preciosa que vem do alto” ou “que rola das montanhas” — o povo lá ainda não decidiu a melhor tradução. Ela diz que a terra é excelente por suas artes e preciosidades e que os itanhanguãenses (ufa!), por causas ignoradas, procuram não divulgar seus feitos, “muitos deles até heróicos”.
Itanhanguã teve um prefeito, o seu Telé, Telêmaco para os íntimos… que dizia: “Na minha prefeitura só tenho dois verbos, o verbo Sim e o verbo Não”. Se o pedido fosse exagerado, disparava: “Pro sinhô, é verbo Não!” Certa vez, seu Telé teve de faltar a uma comemoração, mas justificou: “Viajei-me”. E incluiu no dicionário o verbo “viajar-se”.
Na carta que chegou sábado, essa minha amiga itanhanguãense jura que ele foi bom prefeito: limpou as ruas, acabou com os pernilongos, criou escolas, remodelou as praças, aumentou o tamanho do posto de saúde e não descuidou da periferia (tá vendo seu Pagano?). E incentivou a cultura da soja, apregoando: “Alimento pra lá de bão; faz bem à saúde; não é ruim de gosto; aliás, não tem gosto nem desgosto”.
Vigiava a cidade com mão de ferro e fiscais a cavalo. Um dia, dona Wilma e sua irmã roubaram um cravo do jardim. Foram multadas em 50 mil réis. “Nunca mais tocamos numa só folha que não fosse nossa”. Aprenderam. Em Itanhanguã, o costume era se chegar à estação e perguntar: “A que horas passa o trem das duas horas?” Pelo menos, a pergunta mostra que essa cidade fica no Brasil.
Mas divertidos eram os fregueses da loja do pai da dona Wilma. Um perguntava: “Tem roupa para menina feita?” Aí, lembrei-me de um amigo que vive numa cidade tão escondida quanto Itanhanguã. Lutécia. São dele estas “pérolas”: “Tem meia para mulher sem costura? E sapato para homem de bico fino? Chegou calcinha para menina verde? Então, me dá aquela calça para minha mulher comprida”.
Onde será que fica Itanhanguã? Eu não encontro. Por causa do Estadão, conheci todos, mas todos os municípios paulistas, mesmo. Até Hortolândia eu conheci, quando se chamava Jacuba, pertencia a Sumaré e tinha água. Estive em Moranguinho, ali perto de Pedreira, Betel, João Aranha e até numa cidade chamada Corguinho, aqui perto de Campo Grande. Mas Itanhanguã, nem distrito existe com esse nome.
Itanhanguã, claro, não está na Internet nem na relação dos códigos de endereçamento postal, o tal do CEP, da estatal das cartas. Se você souber onde fica, conte para o nosso repórter Rogério Verzignasse. Aposto como ele vai correndo lá fazer uma reportagem.
PS: Não achei Itanhaguã, mas achei a dona Wilma. Por telefone, ela disse que a cidade fica em…. Caiu a linha, droga!

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