Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2005Crônicas

Sr. Dr. Prefeito

Foi tudo muito rápido, sabe, seo Dr, Hélio? Em uma semana, a Tininha escreveu sugerindo; aquela mulher que estava aí na prefeitura mandou um assessor me ligar; uma professora quis ajudar; a Tininha morreu e aquela mulher, que fez da Treze a Hiroshima brasileira, deixou o terreno como estava: outra área degenerada na cidade. A Tininha ia viajar e deixou aos amigos esta mensagem: “Gentem… estou viajando dia 22/6 (2004) e retorno em 12/7, mas enquanto isso, leiam a crônica do Moacyr, que fala do terreno ao lado da casa de minha mãe, que está virando lixão.”. Não deu tempo, seo Dr. Hélio, na véspera do embarque, em vez dos EUA, ela foi para o céu. Agora, diz a Berenice Torino, também vizinha do inferno e nossa amiga de infância, que piorou.

A crônica a que a nossa Tina se referia é esta:

“Querida prefeita,

Ainda dá tempo de a senhora fazer algo de bom para uma parte de Campinas – as crianças. Na Praça Napoleão Laureano, confluência das ruas Antônio Lobo, Delfino Cintra e Júlio Frank, há uma bela praça. Ali, na esquina da Júlio Frank, a Prefeitura tomou um terreno que pertencia a um sindicato, por dívida de IPTU. E, claro, esqueceu-se. Virou depósito de ferro velho e habitação de baratas, ratos, escorpiões, aranhas, mosquitos – coisas da Campinas moderna. Agora, é estacionamento. Para quem mora e trabalha ali, um inferno.

Pois bem, uma daquelas professoras que Deus não faz mais, porque os governos não as valorizam, mestra Italina Baraldi Duarte, mora ao lado desse inferno. Ela e seu Alfredo estão entre os primeiros moradoras da praça, desde o tempo em que o Alecrim da Catedral era feliz e os campineiros, também.

Ali, brincávamos de pega, pula-sela, esconde-esconde, pique, pular corda, matadinha, queimada, ovo choco (tá rachado?), balança-caixão (balança você, dá um tapa na bunda e vá se esconder – da senhora não, prefeita! Onde já se viu?), chuta-latinha, pião, ciranda-cirandinha, mãe-da-rua, cabo de guerra, soltar pipa… A senhora já viu o Lineu Henriques soltar pipa? Exibição de gala. Até seo Miguel Cury (que prefeito!) saía da fábrica de chapéus para assistir. A gente também brincava de “barra-manteiga, tira da fuça da nega e vende por um tostão…”. Puts!

Sabe quem brincava ali? Fraju, Bita, Lúcio, Romeu Montaldi, Martinato, Mazolinha, Arlindo do Mané marceneiro, Oswaldo Luís Fiore, Luís Carlos Rossi, o Lineu da pipa, o Admir, o Maninho, eu… A Tininha, filha da dona Italina, brincava de casinha e pique-nique com a Carminha, a Berenice e a Bernadete – as irmãs Berê e Berná, a Leila, filha da dona Yasmin e do seo Salim Murtada… Embaixo da casa deles, o Cilinho, grande técnico de futebol, tinha uma loja de adubo. Brincavam o Paulinho Eduardo Baraldi e os irmãos mais velhos José Carlos (Kai-Kai) e o Luís Roberto, querido Bebeto, um dos primeiros campineiros a se formar em Química Industrial.

Prefeita, procure a professora Tita Carneiro. Ela adora criança. Tanto que é mestra e doutora com uma tese que resgata brincadeiras antigas que o povo transmitia aos filhos, no tempo em que brincar não era ver televisão nem ter um videogame nas mãos até ficar cretino.

Conversei com a Tita e ela quer ajudar. Confia na senhora (!). Basta um galpão naquele terreno, para funcionar uma espécie de “museu do brinquedo”. É simples, quase de graça, para alegrar dezenas de crianças que não brincam mais. Elas aprenderão no “museu” e brincarão na mesma praça em que nós brincávamos. A senhora verá muitos idosos a matar saudade e, sim!, ajudar. Peça para esse pessoal das secretarias da sua cultura e da educação aprender com a Tita. Ah! Ponha no museu o nome de “Bebeto Baraldi Duarte”. Acho que ele foi a primeira criança a brincar ali e nos deixou há pouco. Está em alguma nuvem brincando de esconde-esconde com os anjos.”

Seo doutor Hélio, o senhor vai se mexer ou mostrar que é omisso como aquela mulher? Se der, ponha no museu o nome de “Bebeto e Tininha”. Não precisa de mais nada, porque ninguém se esquece deles. Dona Italina, seo Alfredo e Campinas ficarão muito felizes!”

Pregado no poste: “Obrigado antecipado, senhor prefeito”

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