Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2001Crônicas

Só em novela

Outro dia, o Antônio Fagundes e a Paloma Duarte viajavam numa “Maria– Fumaça”, na “Terra Nostra”. Incrível, o trem não chacoalhava e eles conseguiam conversar tranqüilamente na cabina. O trem também não fazia barulho! A lua é sempre cheia, não mingua nem cresce.

Nos folhetins da dona Globo, estradas não têm pedágio. Ninguém reclama de buracos nas pistas nem da falta de sinalização. Nas ruas, então, não existem congestionamentos e quando se precisa de um táxi, está à disposição do passageiro. Basta esticar o braço. Não há ônibus sujos ou lotados, todos pagam a passagem com dinheiro certo – ninguém espera o troco. E supremo conforto: não há lotações nem perueiros. O transporte coletivo é ágil, motoristas e cobradores, educados. A chuva não pega ninguém de surpresa.

Quando os artistas precisam de dinheiro, o caixa eletrônico funciona. Não se vêem nas ruas das novelas filas em bancos, de aposentados nem nos hospitais aparecem pacientes do SUS amontoados nos corredores ou na porta dos pronto-socorros. Trombadinhas devem estar escondidos. É uma beleza a vida nas novelas de televisão.

Telefones funcionam, até o celular. Ninguém se queixa da conta d’água, luz ou telefone. Em novela nunca faltam luz e água. Poucos trabalham ou estudam pra valer. Na mesma “Terra Nostra”, os colonos estão sempre partindo ou chegando da roça, com as enxadas nas costas. No começo até carpiam e colhiam café. Agora, “dolce far niente, non é vero, signore Gumercindo?” (Quando assisto, é por causa das sobrancelhas da Débora Duarte – ela está dando um show!).

Nas novelas da Globo, as cadeias são quase vazias, só um ou dois presos em cada cela, todos bem vestidos. Os capítulos ainda terminam com alguém ouvindo um segredo atrás da porta ou flagrando um casal prevaricando. No fim das refeições, os artistas bebem um café que nunca é visto dentro das xícaras; a mocinha acorda penteada e maquiada e o mocinho nunca aparece nu da cintura pra baixo. O enredo não falha: alguém está procurando o filho desaparecido ou querendo saber que fim levou a mãe que nunca viu. Em compensação, só em novela rico ladrão vai pra cadeia e não há políticos — nem corruptos. Deve ser esse o segredo do sucesso.

Pregado no poste: “Um em cada 2000 campineiros foi assassinado em 1999”

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