Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2008Crônicas

Serafim do mundo?

Até eu, que vivi décadas ali, não sabia do meu vizinho Serafim. Quando caía um balão, era um Deus nos acuda. Toda a molecada, em vez de correr atrás do dito cujo, subia nas paineiras para apedrejar e cutucar com varas longas, gritando “bifa!”, até pegar fogo. Egoísmo: “Eu não levo, ninguém leva!”.

Ali era caminho certo dos professores Amaral Lapa e Amade rumo ao Colégio Ateneu Paulista. Imagine: o bonde 4 cruzava o Serafim rumo ao Taquaral. O 10, para chegar ao Castelo, e o 13 mais o 14 iam por ele até a Vila dos Alecrins e a Boa Esperança.

Na mesma margem que levava ao Ateneu, ficava a Kibon, gerenciada pelo pai do jornalista Flávio Prado. Em frente, era a casa de um dos casais mais simpáticos da cidade, seo Túlio e dona Gilda Pavanello. Pelos dutos que despejavam água no Serafim, Luís Carlos Rossi, Kadão (“Ninguém passa pela Califórnia!”), Lineu, Maninho, Julião e seu irmão Nenê vagavam por entre ratos e outros bichos por baixo da Delfino Cintra, Mercadão, Senador Saraiva (ainda estreita), até chegar ao chafariz do Largo da Estação, só para ver as combinações e forros das saias das meninas (eles juram que só viam combinação e forros…). Tudo peladão. Daí, a imensa descida, ralando a bunda no limbo, até cair no Serfaim de novo.

A Leco, o Posto Três Avenidas e o Centro de Saúde eram as referências do lugar. Antes da maternidade, o terreno era disputado por circos: Buffalo Bill e Sarraceno, presença certa. Do outro lado, pela Delfino Cintra, até chegar à Glicério, enorme terreno descampado, que foi a senzala da fazenda do Barão de Itapura, cuja sede é até hoje prédio central da Puccamp.

Quando ‘Oreste’ era prefeito de Campinas, a gente chamava o Serafim de “Rio Sena do Orestes Quércia”, para desespero de dona Matilde Péttine, professora de francês, fiel guardiã das inegáveis tradições culturais da Lutécia. (Eu disse ‘dona’? Perdão, mestra, leia-se ‘doutora’.). Na frente do Serafim, quando ele passa a correr a céu aberto, está o busto do prefeito Orosimbo Maia, que parece esculpido a partir de uma foto do barão do Rio Branco. (E o Cezar Bierrenbach se matou justamente porque a filha do barão não lhe dava bola. O Solano Lopez, pelo menos, se vingou do desdém da princesa Isabel, declarando a Guerra do Paraguai.”).

Voltando ao Serafim, quem diria!, passei a vida chamando o dito cujo de valeta, como todo mundo. Mas o repórter Johnny Inselsperger escreveu que “o Serafim quase transbordou”… Enquanto foi valeta, não dava esse trabalho. Por que Serafim? Será o Benedito?

Pregado no poste: “O que não se fazia por uma combinação!”

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