Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2002Crônicas

Se o mundo tem, é aqui

Calor? Você não conhece Ribeirão Preto. O diabo fugiu daqui e não apagou o fogo. A demônia deu-lhe um ultimatum: “Num güento esse calorão. Já perdi três partos; os diabinhos nasceram tudo derretido. Tá louco, marido? Trate de abrir o inferno noutro lugar. Aqui é muito quente. Deus me livre!” O diabo até olhou torto quando ela disse “Deus me livre!”, mas reconheceu que nem ele foi capaz de baixar a fornalha.

O martírio é tamanho, que a gente consegue o requinte de sentir ódio à toa. Não há saída. Só arriscando a saúde no ar condicionado. Ventilador, aqui, é gozação. Só espalha ar quente. “Tão quente que dá para cortar com uma faca”, diria Érico Veríssimo. Você já entrou num caixão de defunto equipado com ventilador, e mergulhou num mar de lava, só para ver se dá para agüentar? Ribeirão está pior.

“Mar de lava”, porque aqui dá para imaginar essa situação. Ninguém chega sem descer, ninguém sai sem subir. É o fundo da cratera de um vulcão extinto. Extinto!? Estamos num vulcão, mesmo. Lá no Colégio Ateneu, o querido professor Fiorello chamaria aqui de “Vulcão latente, calor latente, vulcão latente, calor latente…”. Pode contar: de cada seis chuvas que ameaçam, só uma cai. As que ensaiam só caem na região. E o tempo abafa. Vento? Nem brisa. Quando vem, levanta aquele poeirão vermelho e, desgraçado!, leva a chuva embora. Sábado até deu uma chuva de 93… Milímetros? Não, segundos.

Umidade do ar: 7%. Nem no Saara. Carteiro só trabalha de manhã. Falam em cortar o período da tarde nas escolas. Paletó e gravata? Você não sabe da história? Não contaram nada para ele e ele veio. O general Figueiredo. Desembarcou no aeroporto numa manhã de dezembro e atravessou a pista a pé. Ele, Dulce e a comitiva, toda embrulhada em paletó – traje oficial. No meio do caminho, o presidente fez uma toca com o lenço, para não cozinhar a careca, e Dulce, o protocolo que se dane, se abanava com o vestido: “João Batista, vam’bora. Inauguração nada, vam’bora!”.

No saguão, o “chefe da nação” arrancou o paletó e decretou: “A partir de agora, paletó e gravata estão abolidos nesta cidade. Ordem do presidente da República!”. O povo obedece até hoje. Quem usa todo mundo sabe que é de fora. Acabou a cerimônia: traje a rigor é calça e camisa. Será que juiz preside audiência com camisa de manga curta? O povo vai de bermuda à missa. Como não saio de casa com esse calor, não sei. Mas ouvi a vizinha falando, horrorizada, que o padre estava só de cueca debaixo da batina.

Pregado no poste: “E tome chope”

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