Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2002Crônicas

Salvem a professorinha!

O aluno estava drogado na sala de aula de uma escola municipal. Sentado, lá atrás, na turma do fundão, alheio a tudo, à própria vida. Muito longe da roda de colegas que o cercava. Sem chamar a atenção daquela vítima, a professora desviou o tema e passou a alertar a meninada para o perigo das drogas, do vício e das más companhias desses viagem sem volta, em que todos os passageiros embarcam para o inferno.

A professora foi clara e sincera com eles: “Poucos, quase ninguém, conseguem regressar. Esse veneno cria dependência. Vocês sabem o que é isso? É terrível: dependência significa que sem o consumo da droga, o pobre do viciado morre. É o que chamam de ‘fissura’. E para se manter vivo, precisará de doses cada vez maiores, até morrer, também. Não adianta dizer que estão só ‘experimentando’, pois basta experimentar, para começar o caminho do fim.”.

(Atenção: num lugar onde traficantes fazem palestra em entidades de recuperação de drogados e vendem drogas para a própria platéia, tudo pode acontecer. Atenção de novo: esse lugar é o Brasil, onde 78% dos jovens drogados experimentaram droga pela primeira vez dentro de casa.)

Dois dias depois daquele pequeno desvio no tema da aula de História, outra professora encontrou-se com ela e avisou: “Mandaram que eu dissesse para você se cuidar e que, afinal de contas você tem filho. Foi um telefonema anônimo.”.

Aquela foi a primeira ameaça. A Segunda explodiu dentro da escola. Uma aluna, de seus doze anos, como toda menina de doze anos, tem no pai seu grande herói, amigo, protetor e exemplo. Ao mesmo tempo, é a mais rebelde da classe, insolente, arrogante, sem educação alguma. Daquelas para quem a professora não significa nada. E aquela mesma professora ameaçada tempo atrás advertiu a garota: “Se você continuar assim, será reprovada.”.

A reação foi estarrecedora: “reprovada, nada. Se você me reprovar, meu pai te mata! Ele é o maior traficante dessa zona, tá sabendo? Mata você e ainda faz uma limpeza aqui na escola. Vê se não me enche e vai cuidar da sua vida, que agora está por um fio, falô?”.

E com que orgulho ela disse que o pai é o maior traficante do bairro onde fica a escola!

A mãe da professora decidiu passar por cima do sacerdócio com que a filha se dedica àquelas crianças e procurou a secretaria de Educação da Prefeitura, para que alguém tomasse uma providência. “Não podemos fazer nada, aquela região da cidade é perigosa, mesmo; o jeito é sua filha ir levando, sem se preocupar com o futuro dos alunos dela.”. (!!!).

Um funcionário de secretaria de Educação que pensa assim não deveria passar o próprio futuro na cadeia?

Mãe é mãe. Já que as “autoridades civis organizadas” não fazem nada pela “sociedade civil desenganada”, ela pensou que apelando para os que mandavam no tempo da ditadura militar, os da “sociedade militar organizada”, resolvesse.

Você está sentando (ou sentada)? O comandante não disse a mesma coisa; disse pior: “Minha senhora, esse bairro onde sua filha leciona é barra pesada de verdade. Eu aconselho à senhora pedir transferência da professora para outra escola, mais perto do centro da cidade, porque por ali nem a gente se arrisca. É muito perigoso!”.

Pregado no poste: “O nariz do seu filho é aspirador de pó?”

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