Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2008Crônicas

Rua-de-mel

O trem da Mojiana das dez da noite de sábado rumo ao “interior” era especial. Saía da linha de bitola estreita da Estação da Paulista, à direita de quem entrava na plataforma de embarque. Meses antes, as reservas para os vagões-leito já estavam tomadas. Todo sábado, flores, frascos de perfuminho francês, champanhe e vaselina nas cabines. Fora os cartões de boas-vindas assinados pelos diretores da estrada de ferro, acompanhando uma cestinha com bem-casados.

O destino era um só: Poços de Caldas, o maior reduto de virgindade perdida, depois do Rio de Janeiro. Naqueles tempos, sinônimo de honra, a virgindade era obrigação nacional e jamais seria anunciada na seção de “achados e perdidos” dos jornais, até porque, não havia recompensa nem quem a achasse de volta.

Poços, a estância dos recém-casados, parecia feita para eles. A maior vedete do comércio, dominado pelos artísticos cristais Murano, vinha estampada nos copos artisticamente decorados com a inscrição sobre o desenho de alianças entrelaçadas: “Para os nossos padrinhos”. Passeios de charrete, Cascata das Antas, Véu das Noivas, Pedra Balão, Palace Casino, termas… Curioso: Poços tem a famosa fábrica de artigos de cristal Murano, mas os lustres do Palace Casino são de cristal tcheco – parece coisa de brasileiro.

Mas hoje, as noivas são outras, o trem acabou, a bela estância também é Poços de Saudade e as estrelas dos casamentos são convidadas a exibir o traje típico nas ruas. Como acontecerá em Campinas, dia 20, na Rua Severo Penteado (onde fica?), à partir das dez da manhã. Não sei quem me mandou convite para o desfile, mas não para os casórios. Imagine que um dos vestidos será de juta, enfeitado com semente de açaí, madeira e búzios. Mais: os decotes, estilos princesa e tomara que caia, valorizam o busto, e as caldas ficam mais curtas este ano.

Imagine essa noiva, assim fardada, entrando para casar na Igreja do Sagrado Coração de Jesus, ali no bairro do Botafogo. Já estou vendo monsenhor Jerônimo Bagio na capota de seu Prefect preto, aspergindo labaredas e faíscas daquele baldinho que um dia foi de água benta. Graças e louvores se dêem a todo momento…

Pregado no poste: “Não se esqueça: quando um pobre pedir esmola, dê o endereço de um político para ele.”

 

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