Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

1999Crônicas

Recado

Noite memorável aquela de 12 de Novembro de 1974. O Brasil inteiro estava pronto para dar uma resposta à ditadura militar. Três dias depois, os candidatos ao Senado pela vergonhosa Aliança Renovadora Nacional (Arena), fingimento de partido que dava apoio a quem matava e torturava o povo, seriam derrotados pelo mesmo povo, numa eleição plebiscitária, inesquecível. Em Campinas, arenistas e emedebistas (a oposição consentida e, muitas vezes, oportunista) marcaram comícios para aquela noite. O MDB conseguiu o Largo do Rosário. A Arena faria o seu no Largo da Catedral.

Com essa história de mudança de Ribeirão Preto para Campo Grande, chamado para ajudar um grande amigo, a papelada velha que carrego comigo e não abro mão aparece esparsa por todo canto, esperando um dia para ser guardada. Eis que na noite de domingo, acho um recado deixado na Sucursal de Campinas do Estadão, no dia 12 de Novembro de 1974, pelo Roberto Godoy, para nosso mestre e chefe Mário Erbolato e para mim. Olhe só o que o Betão dizia, numa lauda: “Mestre Mário/Moacyr: A Arena correu do pau. Isto é fato sabido e, por isso, o esquema para o comício do MDB hoje à noite sofre algumas alterações, pequenas. A cobertura de campo (povão e palanque) continua com o Moacyr e o Tadeu. Eu (Godoy) faço o ambiente da cidade durante o dia, as repercussões da encolhida arenista etc. e tal, vista pelos chamados próceres (ui !) políticos. À noite, cuido da polícia. Explica-se este último ponto: o De Júlio tem o embarque da seleção de basquete para cobrir no mesmo horário, em Viracopos. Quanto às fotos, não virá ninguém mais de São Paulo. Fica tudo por conta da Sucursal. E assim, vamos em frente, com as bênçãos de Nossa Senhora do Bom Parto. Caso contrário, recomendo um exorcismo de meia em meia hora, que esta história de política é, na opinião do Henry Kissinger, ‘coisa do diabo’. Abraços, Godoy.”

         Vamos por partes e por personagens. O De Júlio citado nesse recado é o querido Antônio Carlos de Júlio, então repórter de esportes e de assuntos policiais da Sucursal. Como a seleção de basquete ia embarcar, não poderia acompanhar a ação da polícia em cima dos que se manifestassem contra a ditadura naquele comício. (O De Júlio é sempre muito bem-vindo. Prometeu ir ao meu casamento, em Marília, mesmo com o filho aniversariando no mesmo dia. Prometi a ele um bolo para o garoto, ao lado do bolo da noiva, e ele não apareceu. O bolo está lá no salão do Tênis Clube até hoje, 22 anos depois…).

O Tadeu é o Antônio Tadeu Afonso, outro grande companheiro. Na época, repórter de política do Estadão, em São Paulo, que veio para nos ajudar. Hoje, ele está na assessoria de imprensa do presidente da República, em Brasília.

Mas a grande personagem daquela noite não aparece no recado do Betão. É Eurico José Cardoso, que nós pegamos parar criar ainda menino e fizemos dele o melhor operador de telex do mundo. Onze e meia da noite, esbaforido,o Tadeu sobe as escadas do prédio onde ficava a Sucursal, Largo do Rosário em cima da loja da Clipper, com uma cópia do discurso do Quércia, para ainda ser gravado em fita de telex e transmitido para São Paulo. “Já mandei o discurso desse cara, Tadeu !” E o Tadeu, atônito: “Mas como, se o discurso está aqui ?” Eurico, com a maior naturalidade: “Na medida em que aquele chato falava no palanque eu ia escrevendo aqui e transmitindo, uai !”

 

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